Título: A corrida presidencial
Autor: Ives Gandra da Silva Martins
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

O afunilamento dos concorrentes à corrida presidencial principia a delinear tendências que as pesquisas eleitorais ainda não chegaram a captar por estarem vinculadas ao momento e influenciadas pelos efeitos dos acontecimentos mais recentes que afetam este ou aquele candidato.

O certo é que a eventual queda da verticalização, se aprovada nos quatro turnos da Câmara e do Senado e avalizada pela Justiça Eleitoral como de aplicação possível para o pleito de 2006, poderá desencadear as mais curiosas alianças regionais, com algum impacto sobre a eleição presidencial.

No momento, os candidatos reais, mesmo que não declarados, são Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin, José Serra, Anthony Garotinho, Germano Rigotto e Heloísa Helena.

Lula procura desvincular-se de qualquer responsabilidade sobre os diversos escândalos que pulverizaram a ética petista e transformaram o partido no mais vulnerável de toda a História da redemocratização - nem o próprio partido do ex-presidente Fernando Collor foi tão chamuscado -, e busca alicerçar sua campanha no apelo popular, preparando-se para agüentar a saraivada de críticas que receberá, certamente, dos candidatos de oposição.

Creio que seu marqueteiro procurará realçar mais alguns resultados na área social, que, embora medíocres, são mais visíveis, como o do Bolsa-Família ("dá o peixe sem ensinar a pescar"), o do aumento do salário mínimo e o da queda do desemprego. Se acentuar demasiadamente a "performance econômica" - a mais pífia da América Latina em 2005, exceção feita ao Haiti -, ficará exposto à crítica comparativa com as demais economias do mundo, em que seu governo, de astro exponencial em Davos em 2003, nem chegou a ser coadjuvante em 2006.

Sua política tributária tem sido um desastre e, indiscutivelmente, é uma das grandes amarras para o desenvolvimento nacional. O Brasil só cresce por força do "efeito maré" da economia internacional, mas é o mais pesado de todos os barcos, por isso anda a reboque das demais economias. De rigor, tem o dobro da carga tributária dos países emergentes, o que torna o contribuinte brasileiro antes de tudo um herói, e o Fisco ganha conotações de publicano, de senhor feudal da Idade Média atrás dos escravos da gleba. Nestes termos, creio que a oposição explorará a confiscatória carga antidesenvolvimentista do governo.

Continua sendo, todavia, um candidato forte.

O PSDB, que já deveria ter escolhido seu candidato em 2005, ainda vive uma indefinição que só beneficia Lula. O prefeito de São Paulo, que foi excelente ministro da Saúde e está sendo melhor alcaide que a anterior prefeita, lidera as pesquisas, mas é também mais vulnerável, principalmente em face de sua promessa de que dirigiria São Paulo por quatro anos. O governador de São Paulo, lançado por este ícone da política brasileira que foi Mário Covas, por ser um homem ético e ter passado irretocável, embora em posição inferior nas pesquisas, tem um potencial de crescimento na campanha que os demais candidatos conhecidos não possuem. A luta intestina que trava no partido pode, todavia, deixar cicatrizes e dificultar a vida do candidato vitorioso nas prévias de março.

O PMDB tende sempre a ser governo, a ponto de se dizer que é o único partido com clara ideologia: "Há poder, sou poder." Seus dois candidatos dificilmente passarão para o segundo turno, apresentando, na sua luta intestina, fotografia semelhante à do PSDB: o candidato melhor nas pesquisas (Garotinho) é mais vulnerável que o bom governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto.

Neste quadro de candidatos aparece a figura do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim - candidatíssimo -, brilhante político que é, à Presidência da República pelo PMDB ou a vice pelo PT. A pergunta que se faz é a que partido ele irá se filiar (PT ou PMDB), sendo certo que pelo PT será mais requisitado, visto que daria, como vice, a colaboração de sua habilidade política - sempre foi mais vocacionado para a política do que para o direito -, o que, no momento, é algo escasso na agremiação.

Heloísa Helena deverá desfraldar a bandeira do esquerdismo continental (Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales), do marxismo requentado e da ética, neste ponto talvez podendo ser mais cruel com Lula do que os candidatos do PSDB e do PMDB. Representa, a rigor, o avanço do retrocesso no mundo atual numa postura pessoal com mais dignidade que muitos dos seus ex-colegas de esquerda.

Quaisquer outros candidatos fecharão a raia da corrida presidencial.

A mim, todavia, me parece que as eleições de 2006 serão o grande teste para se conhecer o amadurecimento do povo brasileiro. Todos os escândalos de corrupção e de fantástica integração espúria entre patrimônio público e privado que foram levados ao eleitor poderão ou não servir de balizamento para seu comportamento nas urnas.

Parece-me que, mais do que procurar saber qual será o candidato vencedor nesta nossa curiosa democracia, em que o estelionato eleitoral é uma constante - os políticos mudam de partido como, nos tempos de Voltaire, os viajantes mudavam de cavalos em suas carruagens -, é importante saber se a moral pública é ainda o maior valor a ser preservado no estado de direito ou se é apenas um desnecessário adorno republicano a ser ou não utilizado conforme as circunstâncias. Em outras palavras, se terá o brasileiro compreendido o que realmente a democracia representa.