Título: Feitiço pode virar contra o feiticeiro
Autor: Fabíola Salvador e Jane Miklasevicius
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2006, Economia & Negócios, p. B5

O clima de euforia que tomou conta do empresariado argentino e do governo Néstor Kirchner após a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) começou a esfriar. A sensação inicial, de que o governo Kirchner havia vencido uma queda-de-braço comercial com o Brasil, se dissipa e surge uma crescente preocupação de que o feitiço (o MAC ) poderia virar contra o feiticeiro. Ou de que o MAC é uma faca de dois gumes.

Analistas em Buenos Aires indicam que do lado brasileiro surgirão vários pedidos de MAC que poriam em problemas uma parte substancial das exportações agrícolas ao Brasil. A preocupação elevou-se mais ainda após as declarações feitas ontem pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, de que está em análise a eventual aplicação do MAC ao vinho, arroz e trigo argentinos.

A suspeita que começa a surgir em Buenos Aires é que - ao contrário do que se pensava nas comemorações da semana passada - a Argentina poderia ser mais prejudicada do que beneficiada com o MAC, já que um amplo leque de produtos agrícolas argentinos poderia ser alvo das salvaguardas a pedido de brasileiros que se consideram "invadidos". Entre esses produtos estão vinho, arroz, trigo, cebola e alho, sob controle ou observação da Comissão Bilateral de Monitoramento.

Segundo informou ao Estado a consultoria Abeceb.com, estão sob monitoramento 8,7% das importações de produtos brasileiros. Das importações de produtos argentinos feitas pelo Brasil, 3% estão sendo observados. Os produtos brasileiros sob monitoramento são: geladeiras, fogões, máquinas de lavar, denim, veludo cotelê, TV em cores, baterias, papel, suínos e calçados. Entre os produtos argentinos, estão vinhos, tabuleiros de madeira e laticínios. Sob observação, arroz e cebola.

Analistas afirmam que, do lado argentino, os setores envolvidos nos conflitos representam apenas 3% do PIB, enquanto proporcionam emprego a 2,8% dos argentinos. Setores como os de denim, geladeiras e máquinas de lavar roupa são fortes candidatos a pedir a aplicação do MAC, apesar de já contarem com acordos de limitação "voluntária" com os empresários brasileiros, que foram forçados a vender menos para o mercado argentino.