Título: Cuidados com a isenção
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O grande interesse demonstrado pelo governo em isentar do Imposto de Renda (IR) os investimentos estrangeiros em títulos públicos indica que o que se procura, com a medida, não é apenas a necessária adaptação das regras brasileiras às que vigoram em outros países, mas, também, um trunfo eleitoral.

A rapidez com que a discussão do tema avançou já mostra o desejo do governo de colocar a medida em vigor o mais depressa possível, para apresentá-la ao público interessado como mais uma realização sua. A participação pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião técnica com dirigentes do mercado financeiro e entidades empresariais para discutir a medida não deixa dúvida quanto a seu interesse eleitoral no assunto, pois ele não tem feito outra coisa senão participar de atos que lhe possam render votos.

Só no fim da semana passada se soube que o governo estudava propostas para facilitar os investimentos estrangeiros em títulos públicos. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, confirmou que os estudos estavam "bastante adiantados". Na terça, o presidente Lula reuniu-se com Palocci e os presidentes da Bolsa de Valores de São Paulo, da Bolsa de Mercadorias e Futuros, da Confederação Nacional da Indústria e das Federações das Indústrias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, para fazer os ajustes finais da proposta.

O interesse eleitoral, no entanto, desta vez coincide com o interesse nacional. A medida é importante para melhorar a qualidade da dívida pública brasileira e também a política fiscal. A isenção do IR - atualmente, os ganhos das aplicações estrangeiras são tributados em 15% - atrairá para o País investidores acostumados a aplicar por prazos longos e que aceitam juros mais baixos do que os exigidos pelos investidores nacionais, com taxas prefixadas.

Assim, será possível alongar o perfil da dívida pública, diminuir seu custo e, sobretudo, reduzir a participação dos títulos indexados à Selic, que hoje representam cerca de 50% do total da dívida líquida. Quanto menor a fatia dos papéis remunerados pela Selic, menor será o impacto de um eventual aperto da política monetária sobre o custo da dívida.

Do ponto de vista da liquidez internacional, o momento é oportuno. Há muitos investidores buscando aplicações de longo prazo que ofereçam remuneração maior do que as que prevalecem no mercado internacional. E há interesse crescente em papéis brasileiros por causa da melhora da avaliação internacional a respeito da economia, visível na queda do risco Brasil, que nunca esteve tão baixo.

O governo está interessado em melhorar rapidamente a avaliação externa da economia brasileira para poder mostrar ao eleitor que sua gestão é confiável e merece continuidade. É bom que o faça, pois se trata de medida que, na essência, interessa ao País, pois a isenção é necessária para o Brasil acompanhar as regras em vigor no exterior e facilitar o fluxo de capitais, como fazem outros países.

Mas não pode fazê-lo de maneira açodada. O que se espera é que a pressa do governo não o leve a ignorar problemas que a isenção do IR sobre investimentos estrangeiros pode provocar.

A medida discrimina o investidor nacional, que paga de 15% a 22,5% de IR sobre ganhos com aplicações em títulos públicos. O governo não pretende mudar essa regra. O resultado será o crescimento das aplicações de brasileiros em fundos estrangeiros que invistam em títulos brasileiros.

Também não está claro como o investidor estrangeiro poderá sair do País sem grandes perdas. Sem essa garantia, dificilmente ele virá para o mercado brasileiro. É preciso que exista um mercado secundário do qual participem também investidores brasileiros.

Por fim, um problema que já preocupa muito os exportadores, a desvalorização do dólar, tenderá a se agravar com a isenção. Os saldos comerciais inundaram o mercado com dólares, o que forçou a queda da cotação. Nem as compras feitas pelo Banco Central, de quase US$ 15 bilhões em quatro meses, conseguiram sustentar a moeda americana. Facilitar os investimentos estrangeiros em títulos públicos significa atrair mais dólares, cuja cotação poderá cair ainda mais. É por isso que a desoneração do investidor estrangeiro não pode ser medida isolada. Ela deve vir acompanhada de outras que estimulem a demanda de dólares.