Título: Agravando o erro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Pelo menos do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, espera-se que faça o que for possível para tentar conter o protecionismo no Mercosul. Já é bastante ruim o sistema especial de salvaguardas oficializado na semana passada, em Buenos Aires, pelos governos da Argentina e do Brasil. A maioria dos empresários brasileiros pressionou o governo para que não cometesse esse erro. Mas a pressão foi insuficiente, o equívoco foi cometido e logo apareceram os grupos em busca de proveito. Nenhuma surpresa: arrozeiros gaúchos, plantadores de cebola e de trigo e produtores de vinho logo pediram proteção contra a concorrência argentina. O ministro da Agricultura, segundo informação de Brasília, teria admitido examinar essas pretensões.

Só haveria, nesta altura, uma justificativa para essa atitude: mostrar aos argentinos que os dois lados podem perder com o jogo protecionista. Mas haveria apoio do Palácio do Planalto a essa iniciativa? Afinal, faz apenas uma semana que o Executivo se rendeu, com manifestações de alegria, às pretensões argentinas.

Além do mais, atender ao lobby protecionista, nesses casos, de nenhum modo serviria aos interesses brasileiros. Se o governo quiser fortalecer os setores mais sujeitos à concorrência argentina, poderá fazê-lo por meio de políticas setoriais. Os consumidores poderão ganhar com isso, e também os produtores dispostos, seriamente, a melhorar seus padrões de eficiência e de qualidade. O agronegócio brasileiro tem mostrado competência em várias atividades, sem precisar de maior protecionismo.

Se o objetivo for apenas favorecer quem pede proteção oficial, o Brasil dará um passo atrás em sua política de modernização. Além disso, assumirá o risco de enfraquecer o já debilitado Mercosul. Não é esse o caminho mais sensato.

O Brasil precisa de mais comércio, não de mais protecionismo. O governo deve usar normalmente as ações defensivas permitidas pela OMC - as únicas que deveriam vigorar no Mercosul. Mas não deve eleger a defesa como objetivo de sua estratégia comercial. Ampliar o comércio não se resume no esforço - indispensável - para vender mais em todos os mercados, em todos os quadrantes do mundo. Envolve também a busca, em todos os cantos, de fornecedores capazes de atender vantajosamente às necessidades nacionais.

Não se deve aceitar o Mercosul como obstáculo a esse esforço. Uma união aduaneira só é justificável quando as barreiras atendem aos interesses de todos. Não é o que tem ocorrido no bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

A adoção do sistema de salvaguardas pretendido pelo governo argentino é apenas mais um elo numa cadeia de erros estratégicos. O Mercosul pode ser uma prioridade para o Brasil, mas não a qualquer preço. Ao desprezar essa restrição, o governo brasileiro se impôs limitações que se revelam cada vez mais custosas. Não pode negociar acordos de livre comércio sem levar em conta as condições de competição da indústria argentina. Ao mesmo tempo, obriga-se a admitir, no interior do bloco, barreiras que seriam inaceitáveis numa zona de livre comércio e inconcebíveis numa união aduaneira.

O governo brasileiro se deixou prender numa armadilha, arrastado pela ilusão de uma liderança regional contestada, quase diariamente, por todos os parceiros. Entrar no jogo do protecionismo regional, aceitando a pressão de lobbies, apenas dará um ar de normalidade às ações defensivas da indústria argentina.

Não é dessa forma que se poderá atenuar os efeitos do erro cometido. Os setores interessados em comércio mais amplo e em menor dependência do Mercosul poderão obter resultados melhores se pressionarem o governo para mudar sua estratégia. Esse é um papel para a Confederação Nacional da Indústria e para as associações empresariais mais influentes, que têm porta-vozes no Congresso. Devem mobilizá-los para denunciar os erros cometidos pela diplomacia comercial e até para contestar um acordo - o das salvaguardas - nitidamente oneroso para o País. A solução é romper a armadilha, não envolver o Brasil numa guerrinha que só pode interessar aos outros.