Título: Democracia ainda corre riscos no País, diz FHC
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Nacional, p. A7

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que o Brasil "não pode continuar com um sistema político divorciado da realidade social do País e incapaz de responder às demandas sociais". Ao abrir o projeto "Presidentes da América Latina", no Memorial da América Latina, em São Paulo, ele falou sobre o tema "Evolução do Processo Democrático na América Latina". Não citou nomes de adversários, mas voltou à carga. "Os episódios a que assistimos nos últimos meses são dramáticos e as lições que tiramos deles são muito pequenas."

"Não podemos deixar que o nosso sistema político se esgote, e ele está se esgotando", advertiu o ex-presidente. "Quando a população assiste aos fatos na TV, fica insensível e diz 'isso é lá com eles', é hora de as lideranças democráticas enfrentarem esse sinal com força." Para ele, existem sérios riscos de deslegitimação do atual sistema político e de seus representantes, pela insistência em recorrer ao salvacionismo e pela incapacidade do sistema de responder às demandas da sociedade.

Fernando Henrique pregou um esforço conjunto das forças políticas para atualizar as instituições e criar mecanismos capazes de compatibilizar as demandas da população com a capacidade de resposta do sistema político. E cobrou uma agenda composta por problemas atuais. Citou a educação como área capaz de dar, ao Brasil, competitividade diante de seus concorrentes.

OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS

Ele cobrou a construção de um sistema político capaz de ocupar todos os espaços sociais: "Não é possível ter territórios de nosso país e de nossas cidades sem controle do Estado." E reclamou a necessidade de um Judiciário mais ágil.

O ex-presidente citou o exemplo do Chile como país que conseguiu moldar um sistema político maduro, em que as forças políticas "tiveram capacidade para definir um conjunto de objetivos mínimos e perseverar neles". E cobrou o empenho das forças políticas brasileiras para construir convergências: "Nós conseguimos certa convergência na área econômica", disse. Mas nas outras áreas, observou, nada foi alcançado.

Ele advertiu que as novas formas de sociabilidade, estimuladas pelos novos meios de comunicação, exigem uma democracia capaz de entender a rapidez com que as demandas se formam e de dar respostas ágeis a essas demandas. "Com a internet, é quase impossível controlar o fluxo de idéias e informações", disse.

Segundo o ex-presidente, como as estruturas políticas não conseguem dar respostas adequadas e rápidas, passam ao País o sentimento de que o sistema não dá conta do recado. Cria-se um vazio entre os sentimentos do povo e as esferas do poder e o poder fica mais flutuante. "Isso é perigoso, porque pode gerar crise de legitimidade", disse.