Título: Saddam tumultua sessão no tribunal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2006, Internacional, p. A11

Levado à força para o banco dos réus, o ex-ditador zombou do juiz curdo e gritou 'Abaixo Bush! Viva o Iraque!'

BAGDÁ

O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein foi levado à força ontem ao Tribunal Especial que o julga pela matança de 148 civis xiitas em 1982. Trajando uma túnica cinza em vez do tradicional e elegante terno preto das audiências anteriores, ele entrou na sala com outros sete ex-assessores, que respondem pelo mesmo crime, visivelmente irritado. "Isto é puro terrorismo imposto por você", gritou dirigindo-se ao impassível juiz curdo Rauf Abderrahmane.

Saddam e seus ex-colaboradores se recusavam a comparecer às audiências sem a presença dos advogados que contrataram. Estes decidiram boicotar o julgamento no fim do ano passado por considerá-lo "parcial, injusto e prejudicial" a seus clientes. O tribunal, então, decidiu nomear advogados do Estado para a defesa dos réus.

"Abaixo Bush; viva o Iraque e seu povo", continuou gritando e gesticulando Saddam. "Queremos nossos advogados", insistiu. Os demais réus, incluindo o meio irmão de Saddam, Barzan el Tikrit, também protestavam no mesmo tom por terem sido forçados a comparecer à audiência - a 11.ª desde o início do julgamento em 19 de outubro. Alguns deles chegaram a atracar-se com os guardas, enquanto o meio irmão de Saddam sentava-se no chão com as costas viradas para o juiz curdo.

"Você está me matando aos pouco, estou morrendo", queixou-se em voz alta Barzan. O juiz respondeu, afirmando que ele seria examinado por um médico do tribunal.

"Tenho o direito de não comparecer a estas audiências", ressaltou Saddam. "Você me obrigou a vir aqui sem meus advogados", insistiu.

"Os réus desfrutam de direitos legais até mesmo para interrogar testemunhas e receberão um julgamento justo", retrucou o juiz Abderrahmane, pedindo compostura aos acusados. "Respeitem as tradições da Justiça iraquiana!", gritou o juiz. "De que tipo de Justiça você está falando?", indagou Barzan com uma pitada de ironia.

Saddam voltou à carga: "Você, juiz, não aplica nenhuma lei. Isto aqui nada mais é que a autoridade da América."

Ignorando as queixas, o juiz Abderrahmane chamou as duas testemunhas convocadas para a audiência de ontem: Ahmad Judair, ex-diretor do gabinete de Saddam, e Hassan al-Obeidi, ex-chefe do serviço de espionagem externa iraquiano. Eles também se queixaram de terem sido levados à força ali.

Durante todo o interrogatório, Judair e Obeidi referiram-se a Saddam como "senhor presidente". Ambos rejeitaram depor contra os réus. O juiz suspendeu a audiência.