Título: Atrasos, tumultos e mortes no Haiti
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Internacional, p. A12

A um quilômetro de Cité Soleil, um bairro-favela dominado por gangues de bandidos e traficantes, o desempregado Jean Steve Brunache e mais 18 eleitores, protestavam às 11 horas de dentro do microônibus, junto de um posto de controle da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) porque até aquela hora não tinham conseguido localizar sua zona eleitoral.

"Estamos desde as 5 horas tentando achar nossa seção", gritou Brunache. Sua vizinha Gerlen Alcad, de 28 anos reforçou o protesto, mostrando seu cartão de identidade nacional, o documento que 3,5 milhões de haitianos tiraram nos últimos meses para votar.

Território proibido onde as tropas da ONU não ousam entrar, Cité Soleil não instalou urnas para seus 55 mil eleitores. "Pra que isso, se todos sabem que Préval será o presidente?", argumentou Brunache, com o apoio de seus companheiros.

René Préval, ex-presidente, lançado pelo movimento Esperança, com apoio de uma facção majoritária do Família Lavalas, o partido de Jean-Bertrand Aristide, deposto dois anos atrás, venceria no primeiro turno ou iria com folga para o segundo, se fosse possível confiar numa boca-de-urna improvisada à porta dos postos de votação.

"Vai dar Préval", afirmaram todos os eleitores ouvidos pelo Estado em seis centros eleitorais. No Sonapi, complexo industrial entre Cité Soleil e o aeroporto, Charles Simon, de 29 anos, ficou indignado, entre dezenas de simpatizantes de Préval, quando uma camionete da campanha de Charles Henri Baker cruzou a avenida gritando o nome de seu candidato. "Era um grupo de brancos pedindo votos para um branco", disse.

O voto não é obrigatório, mas milhares de eleitores fizeram longas filas,desde a madrugada, em todos os bairros da região metropolitana de Porto Príncipe. O atraso na abertura das seções, que deveriam começar a funcionar às 6 horas, provocou tumultos e reclamações.

Algumas seções só abriram depois de 10 horas e dois centros de votação, um de 17 mil e outro de 20 mil eleitores, ainda estavam fechados, às 14 horas - duas horas antes do horário previsto para o encerramento das eleições. Na desorganização geral, as pessoas só recebiam a informação de que, se estivessem na fila às 16 horas, conseguiriam votar.

Porto Príncipe votou sob ocupação militar. Os soldados e policiais da Minustah ocuparam desde a madrugada os principais pontos da capital. O trânsito normalmente confuso ficou ainda mais complicado, apesar de poucos tap-pap - as caminhonetes-lotações de transporte público - terem circulado. Em incidentes separados, quatro pessoas morreram e pelo menos dez ficaram feridas durante a votação.