Título: Um apelo por respeito e calma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Internacional, p. A14

Com preocupação crescente, testemunhamos a escalada de tensões perturbadoras provocadas pela publicação, em jornais europeus, de caricaturas do profeta Maomé que os muçulmanos consideram profundamente ofensivas. Seremos todos perdedores se deixarmos de superar imediatamente essa situação, que só pode deixar um rastro de desconfiança e desentendimento entre ambos os lados. Portanto, é necessário fazer um apelo por respeito e calma e deixar falar a voz da razão.

No ano passado, quando nós, chefes de governo da Turquia e da Espanha, lideramos o lançamento dos trabalhos do Projeto da Aliança das Civilizações, agimos baseados numa firme crença: precisávamos de iniciativas e instrumentos para deter a espiral de ódio e confusão que, em si, constitui uma ameaça à paz e à segurança internacionais.

Os eventos infelizes que vemos agora só reafirmam nosso diagnóstico e nosso compromisso de buscar ainda mais apoio a essa causa.

Historicamente, a Espanha e a Turquia estiveram na encruzilhada entre o Oriente e o Ocidente. Por isso, somos bastante conscientes de que o modo como se conduz o contato entre diferentes culturas pode ser muito enriquecedor, mas também pode desencadear disputas destrutivas.

Num mundo globalizado, onde as relações e intercâmbios entre civilizações diferentes continuam a se multiplicar, e onde um incidente local pode ter repercussões planetárias, é vital cultivarmos os valores do respeito, da tolerância e da coexistência pacífica.

A liberdade de expressão é um dos pilares de nossos sistemas democráticos e não podemos jamais abandoná-la. Mas não existem direitos sem responsabilidade e respeito por sensibilidades diferentes. A publicação destas caricaturas pode ser perfeitamente legal, mas não é neutra e, portanto, deve ser rejeitada de um ponto de vista moral e político.

No fim, tudo isso se presta a incompreensões e deturpações de diferenças culturais que estão em perfeita harmonia com nossos valores compartilhados. Ignorar este fato normalmente abre caminho para a desconfiança, a alienação e o ódio, que podem resultar em conseqüências indesejáveis que todos temos de nos esforçar para evitar.

A única maneira de construirmos um sistema internacional mais justo é por meio do máximo respeito pelas crenças de ambos os lados. Estamos totalmente comprometidos com o respeito das normas da lei internacional e a defesa das organizações internacionais que a encarnam. Contudo, nem leis, nem instituições são suficientes para garantir a paz no mundo.

Precisamos cultivar a coexistência pacífica, só possível quando há interesse em compreender o ponto de vista do outro lado e respeito por aquilo que este considera mais sagrado. Estas são as premissas básicas e as principais metas da Aliança das Civilizações promovida pela Espanha e pela Turquia.

*Recep Tayyip Erdogan e José Luis Rodríguez Zapatero são os primeiros-ministros da Turquia e da Espanha