Título: De ouvidos bem abertos
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2006, Nacional, p. A6

Lula recebe relatos sobre dilema de Serra entre ficar na Prefeitura ou deixá-la

Antes de viajar para a África, o presidente Luiz Inácio da Silva ouviu de um de seus auxiliares com bom trânsito entre as fileiras adversárias - vale dizer, PSDB - um relato sobre o estado de espírito do prefeito de São Paulo, José Serra, nestes dias que antecedem a decisão sobre quem será o candidato do partido à Presidência da República e, em tese, seu oponente na eleição de outubro.

O personagem havia conversado com Serra longamente dias antes e transmitiu a Lula sua impressão: o prefeito será o candidato se quiser, vontade de disputar não lhe falta, mas a dúvida sobre o preço a pagar pela interrupção do mandato para o qual foi eleito um ano e meio atrás tem um peso considerável.

O governista disse a Lula que já vira anteriormente Serra mais assertivo em relação à candidatura e agora, embora sem manifestar grandes aflições com a decisão, mostra-se preso a um dilema cuja solução não dá sinais de pretender antecipar.

Evidente que Serra sabia o destino a ser dado ao conteúdo daquela conversa e, por isso mesmo, deve ter evitado ser muito expansivo nos detalhes, prejudicando o valor das informações. Ainda assim, o episódio serve como revelador da existência de pontes de contato e do interesse de Lula no acompanhamento da movimentação do adversário.

"Ele vai usar os prazos até o fim", ficou sabendo o presidente que, segundo seu, pode-se dizer, conselheiro, não fez juízo de valor sobre o processo de escolha do candidato do PSDB. Entre outros motivos porque não há no governo unanimidade a respeito de quem seria o contendor ideal, o mais fácil de derrotar.

Existem, na ótica do Planalto, prós e contras em ambos, a despeito de durante todo o ano passado os governistas manifestarem alívio pelo fato de José Serra estar "preso" à cadeira de prefeito.

Agora que a hora da decisão se aproxima, há uma certa tendência entre os petistas de dizerem que o governador Geraldo Alckmin é um adversário mais difícil, porque tem ótima avaliação em São Paulo, dispõe de um perfil feito à imagem e semelhança do gosto da classe média e não se presta muito à estratégia de comparação entre as administrações Lula e Fernando Henrique, como pretende o PT.

Em compensação, seria prejudicado por uma imagem de excessivo conservadorismo e ausência de idéias objetiva e amplamente conhecidas. Neste aspecto, Serra é considerado mais forte: "sofisticado", consistente e complicado de enfrentar no plano da defesa de um projeto de país com começo, meio e fim.

O prefeito também teria a vantagem (para o PSDB) e a desvantagem (para o PT) de já se ter mostrado capaz de derrotar o governo num momento em que Lula ainda estava no auge e as denúncias que viriam a criar a crise do mensalão não passavam de um disse-me-disse difuso.

Sob reserva e muito discretamente, o interlocutor de ambos os possíveis oponentes na eleição saúda o fato de não ser ele o responsável pela escolha do candidato tucano - "e se a opção se revelar equivocada ao longo da campanha" - e revela que, se por hipótese, só para fazer uma conjectura, lhe fosse dada essa tarefa, como correligionário de Lula escolheria Geraldo Alckmin.

Esperança

Ainda dentro da análise governista sobre as articulações do adversário, no Planalto se mantém firme a esperança de que o PMDB não venha a ter candidato a presidente.

Com base não se sabe exatamente em que tipo de dados, o governo confia que de alguma forma os senadores José Sarney e Renan Calheiros, mais os ministros do PMDB, acharão um jeito de impedir a realização das prévias marcadas para 19 de março.

O histórico dos embates entre as alas governista e oposicionista do partido não sustenta essa esperança, pois, até agora, os aliados do Planalto perderam todas.