Título: BC quer liberação do câmbio mais restrita
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Economia & Negócios, p. B8

O Banco Central (BC) deixou claro ontem que deseja que a liberalização do câmbio seja mais restrita do que a proposta que consta do projeto de lei complementar a ser apresentado hoje pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e pelo líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN).

No encontro com Bezerra, o diretor de Assuntos Internacionais do BC, Alexandre Schwartsman, fez ressalvas ao projeto dos senadores. Todas, segundo ele, no sentido de reduzir o risco de dolarização da economia ou de evitar prejuízo para os cofres públicos com uma eventual crise cambial.

O líder do governo acolheu uma sugestão de Schwartsman e decidiu retirar da proposta a permissão para operações de câmbio entre residentes. Com a mudança, o projeto permitirá apenas as operações entre residentes e não-residentes.

Schwartsman argumentou que a redação, da forma como estava, abria espaço para a dolarização da economia, pois os cidadãos brasileiros estariam autorizados a fazer compra e venda de moedas estrangeiras entre si, podendo utilizá-las para todo tipo de pagamentos. "Achei a argumentação dele de uma lógica claríssima e decidi mudar o texto", disse Bezerra.

Outra sugestão de Schwartsman, no entanto, não foi acolhida por Bezerra. Pelo projeto, as empresas podem trazer para o País suas receitas com as vendas externas e deixá-las depositadas em contas em dólares nos bancos. Não serão, portanto, obrigadas a converter as receitas em reais, como ocorre hoje. As disponibilidades em moeda estrangeira poderão ser utilizadas para pagar compromissos externos das empresas.

Schwartsman disse a Bezerra que o BC aceita acabar com a chamada "cobertura cambial", ou seja, com a obrigação das empresas de converterem em reais as receitas das exportações dentro de um determinado prazo.

Atualmente esse prazo é de 210 dias. Mas, segundo explicou, o BC prefere que o exportador deixe as suas receitas em divisas estrangeiras depositadas em bancos no exterior. No momento em que a receita for internalizada no País, a conversão em reais será obrigatória. Com isso, os exportadores e importadores não manteriam contas em dólares nas instituições financeiras no País, como prevê o projeto de Bezerra e de Renan.

O principal argumento utilizado por Schwartsman, segundo relato de Bezerra, foi que essas contas em dólares seriam um sério risco numa eventual crise cambial. "Ele disse que durante uma crise o Banco Central poderia ser obrigado a honrar essas contas e para isso ter de sacar das reservas cambiais do País", explicou o líder do governo.

O senador não aceitou a argumentação. Para ele, o risco apontado por Schwartsman é praticamente inexistente, uma vez que o projeto de lei complementar prevê que, na iminência de uma crise cambial, o Conselho Monetário Nacional (CMN) poderá restabelecer o monopólio das operações de câmbio no BC. "Não vejo o risco apontado e resolvi não mudar o texto, pois seria retirar o charme do projeto", afirmou Bezerra.

CONFIRMADO

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, confirmou ontem que há estudos no governo sobre mudanças no câmbio e existe disposição de realizá-las. Ele informou ainda que a proposta deve ser apresentada este ano, mas dificilmente sua implementação ocorerá em 2006.

A idéia, segundo ele, é modernizar a legislação, que tem mais de 60 anos. O ministro ressaltou que as mudanças devem ser feitas com muito cuidado e tempo para estudos. "Até porque parte dessa legislação é da década de 40", disse Bernardo.