Título: Os riscos que não caíram
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo e o mercado financeiro festejam a queda do risco Brasil, derrubado pela combinação de alguns fatores muito favoráveis, como a repetição de elevados saldos comerciais, o acerto de contas antecipado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a promessa de liquidação de US$ 20 bilhões da dívida externa. Os juros pagos pelo Brasil - entre os mais altos do mundo - e o excesso de dinheiro no mercado internacional também contribuem para estimular o interesse por títulos brasileiros, para sustentar o fluxo de aplicações no País e para depreciar o dólar, cortando severamente os ganhos das empresas exportadoras.

Na sexta-feira, o risco Brasil, medido pela procura internacional de títulos do País, caiu até 220 pontos e ficou, no fechamento, em 226, o nível mais baixo desde 2001. Ontem, continuou oscilando em torno desse ponto. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem motivos especiais para celebrar o resultado. O risco havia chegado a 2.443 em setembro de 2002 e estava em torno de 1.400 no começo do atual governo. Conseguir a melhora desse índice foi a primeira grande meta anunciada pelo ministro logo depois da posse, ainda em janeiro. Seria difícil imaginar, naquele momento, uma tarefa mais urgente.

Mas o Brasil ainda paga juros mais altos que outros países emergentes e continua distante, nas classificações internacionais, do grau de investimento, conferido aos países com melhores condições de solvência e melhores perspectivas de segurança econômica. Quando examinam os detalhes da economia brasileira, os analistas internacionais sabem tanto quanto os brasileiros que apenas uma parte das mudanças necessárias foi realizada.

Sabem, por exemplo, que as metas fiscais têm sido cumpridas principalmente graças à elevação da carga tributária. Os brasileiros pagam cada vez mais impostos e contribuições, enquanto os gastos de governo crescem e continuam muito mal distribuídos. O enorme peso suportado pelos contribuintes - mais de 37% do Produto Interno Bruto (PIB) - serve para o Tesouro pagar uma parte da conta de juros e para sustentar uma porção de gastos mal planejados, alimentados por um processo de inércia e pouco proveitosos para o desenvolvimento econômico e social.

Sabem também que o sistema tributário é de baixíssima qualidade e continua sendo um entrave ao crescimento econômico - um freio que só será removido quando o governo tiver disposição para propor e defender mudanças politicamente muito complicadas.

A reforma do sistema de impostos e contribuições é um assunto particularmente complexo porque envolve a distribuição de receitas e de encargos entre União, Estados e municípios. A última negociação difícil com governadores e prefeitos foi realizada pelo governo anterior. Seu resultado foi a maior reforma realizada, em décadas, na vida fiscal brasileira.

Mais que isso: nenhum brasileiro ou estrangeiro razoavelmente informado ignora as fortes pressões contra o alardeado compromisso do governo com a austeridade fiscal e com o fortalecimento da economia de mercado. Mesmo dentro do governo há grupos empenhados em promover uma ampla reorientação das políticas, favorecendo maiores gastos, maior intervenção no sistema de preços, maior ingerência nos contratos e subordinação mais ampla das entidades estatais - autarquias e empresas - a critérios político-partidários.

Se esses grupos tiverem êxito, o País cairá de novo na baderna fiscal, a inflação voltará e a segurança econômica irá pelo ralo. Será jogado fora o enorme esforço realizado nas últimas duas ou três décadas para tornar o Brasil um dos mais competitivos países no mercado de produtos agropecuários. O empenho de modernização das indústrias será substituído por novas formas de protecionismo e de compadrio econômico. O Brasil tem conseguido, até agora, manter-se fora da maré populista que se espalha por outros países latino-americanos, mas não está imune a esse risco. A qualidade da maior parte do Ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra que essa preocupação é perfeitamente realista.

É justo festejar a queda do risco Brasil, mas é preciso não esquecer que a tarefa de derrubar riscos mais importantes pouco avançou nos últimos anos.