Título: Revolução processual
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/02/2006, Notas e Informações, p. A3

A o contrário da emenda constitucional da reforma do Judiciário, que demorou 13 anos para ser aprovada, a reforma infraconstitucional da instituição vem tramitando com maior rapidez. Dos 23 projetos que a compõem, enviados ao Congresso no final de 2004, quando os dirigentes dos três Poderes firmaram o "Pacto Por um Judiciário mais Rápido e Republicano", 3 já passaram pelo Congresso, outros 2 devem ser aprovados este mês e 1 acaba de ser sancionado.

Os projetos envolvem profundas mudanças na anacrônica legislação processual civil e penal, reduzindo o excessivo número de recursos existentes. A lei sancionada por Lula, que entrará em vigor em 90 dias, é a que regulamenta a súmula impeditiva de recursos.

Trata-se de uma inovação processual concebida para desestimular a apresentação, nos tribunais superiores, de recursos com fins protelatórios. Segundo o texto, quando as sentenças dos juízes de primeira instância estiverem de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, elas não poderão ser objeto de apelação. Os recursos só poderão ser impetrados se as sentenças contrariarem as súmulas dessas cortes.

Essa inovação oferece vantagens. A primeira está no fato de que a súmula impeditiva de recursos não restringe a discricionariedade dos juízes de primeiro grau. É esse o ponto que a distingue da súmula vinculante. Enquanto esta obriga os tribunais inferiores a acompanhar as decisões das instâncias superiores, a súmula impeditiva dá aos juízes a liberdade de interpretar as leis como acharem conveniente.

A expectativa do Ministério da Justiça e da cúpula do Judiciário é que a maioria dos juízes de primeiro grau utilize essa prerrogativa apenas nos casos mais difíceis. É aí que a magistratura se sentirá estimulada a buscar novas interpretações das leis em vigor. Nos processos mais simples e repetitivos, espera-se que os juízes de primeira instância se limitem a acompanhar as decisões do STJ e do STF. Se isso vier a ocorrer, os processos rotineiros serão encerrados na primeira instância, reduzindo o volume de trabalho dos tribunais superiores. Entre 1991 e 2001, o número de recursos levados ao STJ aumentou em 930,8%. No Supremo, ele cresceu 663,5%.

A segunda vantagem está no fato de que a súmula impeditiva poderá favorecer os contribuintes contra o maior recorrente do País, ou seja, o poder público. No âmbito da Justiça Federal, a Fazenda Nacional, o INSS e a Caixa Econômica Federal são os responsáveis pela maior parte dos recursos impetrados nos tribunais superiores. Nas Justiças estaduais, os principais recorrentes são as prefeituras e os governos estaduais. Para tentar escapar de derrotas judiciais, a tática dos diferentes órgãos e instâncias do poder público é utilizar os recursos com fins protelatórios.

A súmula impeditiva de recursos pode ser decisiva para acabar com essa chicana. Na área tributária, por exemplo, os tribunais superiores têm entendimento pacífico contra o aumento da base de cálculo da Cofins e a imposição do IPTU progressivo. Mesmo assim, União e prefeituras insistem em recorrer. Só no STJ, a Procuradoria da Fazenda Nacional vem tentando evitar o trânsito em julgado de cerca de 22 mil ações sobre a cobrança da Cofins nas sociedades prestadoras de serviços, o que já foi proibido pela Súmula nº 276.

Ao evitar disputas inúteis e abreviar a tramitação de determinadas ações, a súmula impeditiva de recursos reforça a certeza jurídica dos cidadãos e empresas, criando um clima mais seguro para os negócios e contribuindo para o crescimento da economia. Alguns advogados, contudo, temem que o poder público, para evitar derrotas em matérias que levem a aumento de gastos, passe a pressionar politicamente os tribunais superiores, a fim de que firmem jurisprudência favorável ao Erário. É difícil saber se os ministros do STJ e do STF cederão a essas pressões ou se saberão resistir a elas. O fato é que, independentemente desse temor, a súmula impeditiva de recursos representa um importante avanço no rumo do bom funcionamento da Justiça.