Título: Aftosa mergulha pecuária do Brasil em crise profunda
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Economia & Negócios, p. B1

Quatro meses depois de anunciados os focos em MS, setor enfrenta embargos, preço baixo e real valorizado

Há quatro meses, completados na semana passada, alguns animais da Fazenda Vezozzo, em Eldorado, Sul de Mato Grosso do Sul, adoeceram. Foi o começo da crise na pecuária brasileira. Desde então, o setor mergulha numa crise sem precedentes com baixas históricas de preços, embargo internacional imposto por 56 países, câmbio pouco competitivo para exportação, demora na solução do caso de aftosa no Paraná, além de denúncias de formação de cartel e prática de dumping.

Os prejuízos em MS, que volta lentamente à normalidade, não foram totalmente calculados. O governo já gastou R$ 30 milhões para conter o vírus, mas admite que o prejuízo será bem maior. No total, 33.819 animais foram sacrificados nos 33 focos de aftosa em Eldorado, Mundo Novo e Japorã.

As indenizações pelos sacrifícios de animais, segundo a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro) - órgão a quem coube controlar a doença -, atingirão R$ 18,5 milhões. Até agora, o fundo de sanidade de MS pagou R$ 4,5 milhões. O governo federal bancará R$ 14 milhões. Foram 470 processos de indenização e destes apenas 65 não resultaram em pagamentos. "O dinheiro para este grupo, cerca de R$ 2,3 milhões, já está disponível. Será pago nas próximas semanas", explica José Antonio Felício, superintendente federal de Agricultura de MS.

Nos próximos dias, começam a ser liberadas as primeiras propriedades para o recebimento dos chamados animais "sentinelas". Durante 30 dias estes animais ficarão sobre as valas onde foram enterrados os animais sacrificados. É o teste final para saber se o vírus foi eliminado da região.

Serão necessários 1,5 mil animais não imunizados. Felício, da Superintendência Federal de Agricultura, explicou que os animais serão comprados na região do Pantanal.

Enquanto Mato Grosso do Sul segue o longo caminho para recuperar o status de área livre de aftosa com vacinação, a pecuária brasileira ainda convive com embargo de 56 países. Na semana passada, surgiu a expectativa de que o Brasil possa ter os embargos parcialmente suspensos em razão da saída da Argentina do mercado mundial de carne.

Não há garantias disso. Segundo a Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, dos 56 países que impuseram vetos à carne brasileira, 8 ainda mantêm barreiras totais ao Brasil: África do Sul, Chile, China, Cuba, Indonésia, Namíbia, Tailândia e Venezuela.

A questão dos embargos criou um problema para as indústrias exportadoras, como Friboi, Bertin entre outras, mas os efeitos mais dramáticos são sentidos mesmo pelos pecuaristas. Como os frigoríficos exportadores têm unidades de abate em vários Estados, conseguiram driblar a crise. A indústria alcançou os US$ 3 bilhões em exportações de carne em 2005. Conseguiram isso depois de deslocarem a produção dos Estados vetados (Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo) para Estados não impedidos de exportar.

Mas a solução desse problema não é suficiente. A indústria frigorífica ainda enfrenta a ira dos pecuaristas que querem uma CPI da Carne no Congresso. Como prova da falta de acordo entre pecuaristas e frigoríficos, a União Democrática Ruralista (UDR) promoverá dia 20 um encontro dos produtores em Presidente Prudente. O setor tentará convencer parlamentares a investir numa CPI que apure denúncias de cartel e dumping. A indústria está preocupada. Considera que a crise da pecuária acendeu uma luz amarela, principalmente porque o setor perde competitividade com a valorização do real. Sem exportação, a crise da pecuária pode ser ainda mais grave.