Título: O custo da demagogia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2006, Notas e Informações, p. A3

A demagogia é um esporte caro. Em agosto de 2002, em plena campanha eleitoral, o então candidato e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou violentamente a Petrobrás e o governo Fernando Henrique porque a estatal havia encomendado no exterior a construção de plataformas de grande porte para a exploração de petróleo. Achava ele que os equipamentos deveriam ser construídos no Brasil, para dinamizar a indústria naval e criar empregos aqui. Foi das poucas promessas que cumpriu, já no início de seu governo. Há exatos três anos, a Petrobrás estabeleceu porcentuais mínimos de participação de empresas nacionais nos bens e serviços por ela demandados, inclusive duas grandes plataformas, e com isso atrasou em alguns meses a entrega desses equipamentos essenciais à extração de petróleo do mar. Aos preços do petróleo, na época, cada mês de atraso custava cerca de US$ 4 milhões à estatal.

Desde então, é política da Petrobrás entregar à indústria nacional a construção de navios e plataformas. Essa política seria correta, não fosse a comprovada incapacidade, técnica ou financeira, da maioria dos estaleiros nacionais para construir esses equipamentos. A licitação feita pela Transpetro - subsidiária da Petrobrás para a área de transportes -, para a construção de quatro navios petroleiros - de um total programado de 26, numa primeira etapa, chegando a 42 no final do programa -, demonstra, mais uma vez, que o soerguimento de uma indústria que há muitos anos perdeu competitividade não se faz apenas com a criação de reserva de mercado.

Uma única empresa que participou da licitação para a construção dos quatro navios - a Mauá Jurong - apresentou propostas no valor médio de US$ 83 milhões para cada navio. Isso é apenas o dobro do que custaria a construção do mesmo navio em qualquer estaleiro estrangeiro. Mas o presidente Lula quer, e a Petrobrás obedece, que os navios sejam construídos no Brasil.

A persistir esse disparate, o patrimônio da Petrobrás - ou seja, dos contribuintes representados pela União e de mais de 430 mil acionistas - estará sendo dissipado em nome de uma ilusória recuperação da indústria naval. Essa política foi utilizada no final dos governos militares - que o presidente Lula aponta como exemplos de bom planejamento - com resultados desastrosos. Com recursos do Fundo de Marinha Mercante os estaleiros nacionais produziam navios a três ou quatro vezes os preços cobrados na Polônia ou na Coréia do Sul, por exemplo. O resultado foi a dilapidação do Fundo, a quebra dos estaleiros e o virtual desmantelamento da marinha mercante nacional.

Se o governo insistir em usar a mesma fórmula para garantir escala de produção - graças às encomendas da Petrobrás - para modernizar os estaleiros nacionais, sem sanar os problemas estruturais que levaram o setor à crise - e sem falar nos problemas de gestão da maioria dos estaleiros -, o resultado é facilmente previsível. Essa situação é bem resumida pelo professor Segen Stefen, diretor da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval: "Só porque se decidiu fazer no Brasil tem de pagar mais caro? Não imagino que seja do interesse nacional enriquecer alguns empresários."

Essa reserva de mercado já está provocando distorções graves. Em primeiro lugar, porque as dificuldades para acomodar as exigências do governo às possibilidades dos estaleiros já causaram um atraso de cerca de dois anos no programa da Transpetro - e com isso a estatal perdeu fretes. Depois, porque a expectativa de obter lucros descabidos com as encomendas da Transpetro levou os estaleiros a desprezar pedidos de armadores privados. A denúncia feita pelo secretário-executivo do Sindicato Nacional dos Armadores é grave: "Tem empresas que tentam fazer cotações e não conseguem porque todos os estaleiros esperam pegar obras da Transpetro. Quando há uma resposta, é com preços e condições absurdos, o que mostra um desinteresse por qualquer outra encomenda."

Realmente, a licitação da Transpetro chega a ser escandalosa. Seu presidente afirma que não serão assinados contratos a qualquer preço. A empresa teria uma planilha com preços ideais e negociará com os estaleiros até chegar a "valores satisfatórios".

Dada a voracidade dos estaleiros e a insensatez da política de criação de empregos, é de se perguntar: satisfatórios para quem?