Título: Umbigos ilustrados
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2006, Nacional, p. A6

Os quatro grandes partidos brasileiros, todos em tese passíveis de governar o País, têm abusado do desrespeito ao eleitor. Preocupados única e exclusivamente com o caminho das pedras para conquistar ou se manter no poder, tratam as questões de interesse do cidadão com um misto de oportunismo e indiferença.

Ao governo só ocorreu cuidar dos assuntos de sua alçada no ano eleitoral; ao PSDB preocupa quem será o candidato, mas não diz exatamente para quê; ao PMDB sabe ao paladar um jogo de subterfúgios onde a fidelidade partidária é pormenor; ao PFL prende a atenção da herança tucana em São Paulo (Prefeitura ou governo), a disputa pela indicação do vice e a obtenção do apoio tucano no maior número possível de Estados para seus candidatos a governador.

Projeto de país mesmo que é bom, qual deles será melhor para levar em frente as coisas boas, corrigir as ruins e ter capacidade de inovar outras tantas para levar o Brasil adiante, sobre isso ninguém fala, como se fosse assunto secundário, um mero detalhe na disputa pela cadeira presidencial.

Em tal conjuntura, se o eleitorado estiver se sentindo o gato borralheiro da história, jogado de lado, enrolado a uns trapos como filho enjeitado, enquanto suas excelências escolhem seus melhores figurinos para se apresentar ao baile eleitoral, não poderá ser acusado por demência ou mau humor.

De fato, o País só recebe dos pretensos representantes a governantes o tratamento reservado às massas de manobra que, no momento oportuno, serão chamadas a se pronunciar, não a respeito de questões objetivas, com maturidade e discernimento.

Serão instadas a reagir aos mais bem arquitetados estímulos publicitários, engendrados por especialistas em analisar pesquisas e providenciar respostas - leiam-se, atitudes - ao molde do que acreditam sejam as demandas do eleitorado.

Isso até já começou e, como sempre, o exemplo vem de cima: o presidente da República, depois de furar a onda da crise enfrentando as denúncias com a agressividade dos que se sentem justos, afrontando as evidências mais corriqueiras a golpes de sofismas pronunciados em tom, não de ofensor - como conviria a qualquer pessoa minimamente compromissada com respeito aos olhos e ouvidos do País -, mas de ofendido, depois de fazer isso para conseguir "se manter à tona", retoma a feição do "Lula paz e amor" inventada por Duda Mendonça.

A essa manobra seus auxiliares dão o emblema de "impressionante intuição política". Mas a isso, em português claro, dá-se o nome de manipulação explícita.

Com ela, Lula pretende simplesmente levar o eleitor a reviver o clima de 2002 e pedir a renovação na esperança de que um segundo mandato será para "completar a obra" iniciada no primeiro.

Pouco importa que tal obra consista num amontoado de argumentos sustentados em números distorcidos, distantes da comprovação popular e frutos de meras ações de cotidiano sem significado maior para o essencial: a libertação da ignorância e da miséria, principalmente a cultural. No campo adversário as coisas não se passam de maneira muito diferente, guardadas as proporções do poder conferido ao inquilino eventual da máquina do Estado.

Na oposição, o jogo é oportunista, mas nele ressalta, sobretudo, a indiferença para com o que se passa para além das fronteiras dos partidos. Tomemos o PSDB: com toda a experiência acumulada ao longo de oito anos de Presidência da República, não foi capaz de dizer ao País por que é mesmo que pretende voltar ao poder.

Primeiro engalfinha-se numa disputa interna cada vez mais parecida com as que fizeram, e fazem, o infortúnio do PT. Depois parte para uma ação em tudo e por tudo incongruente com quem se pretende baluarte da democracia.

Juntam três capas-pretas do partido e determinam que ali, naquele ambiente de fidalguia e sapiência, será escolhido o encarregado de salvar a pátria das garras do petismo. Para "dar o recado" a respeito do predileto, marcam encontro em finíssimo restaurante dos jardins paulistanos, deixam-se fotografar na companhia de vinhos caros, riem muito, produzem duas ou três frases (são bons nisso) de culta ironia e talvez esperem, assim, criar identificação com a maioria do eleitorado, cuja decepção com o PT está em boa medida referida no alpinismo social deslumbrado revelado no trânsito da base ao topo da pirâmide.

Isso enquanto, do outro lado, o preterido no chique piquenique, a fim de não perder espaço dava-se a anedotas pueris.

Segundo o governador Geraldo Alckmin, homem até então saudado por composto e comedido, seu mote de campanha será "o Brasil vai crescer pra chuchu", vai ter emprego "pra chuchu" e, uma vez presidente, fará um governo que é um "chuchuzinho".

Há mais: sua convicção de que será o escolhido baseia-se no fato de ser médico e, por isto, ter "olho clínico".

Se a idéia é obter a credencial de candidato mostrando-se capaz de rivalizar com Lula no campo da piada infame e da metáfora tola, corre o risco de ver o eleitorado optar pelo produto original.