Título: Bispo vê complô contra punições no caso Dorothy
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Nacional, p. A7

Para d. Erwin, governos federal e do Pará querem encerrar apuração sem apontar todos os criminosos

O bispo de Altamira, d. Erwin Krautler, denunciou ontem uma manobra dos governos federal e do Pará, com a cumplicidade da Justiça, para encerrar as investigações do assassinato da irmã Dorothy Stang sem que todos os responsáveis pelo crime sejam identificados e processados. "Esse crime foi planejado nos mínimos detalhes. Cadê os outros membros do consórcio de grileiros e madeireiros envolvidos? Por que não foram ouvidos os que comemoraram o crime com fogos, festas e bebedeira?", indagou o bispo, que comanda também a Prelazia do Xingu, uma das regiões mais atingidas por conflitos de terra do País.

Norte-americana naturalizada brasileira, Dorothy foi morta com seis tiros em 12 de fevereiro de 2005. Já foram condenados o autor dos disparos, Rayfran Neves Salles, a 27 anos, e seu cúmplice, Clodoaldo Batista. Com julgamento previsto para até maio, estão presos os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão, acusados de encomendar a morte, além de Amair Feijoli da Cunha, o Tato, denunciado como intermediário da execução.

Para d. Erwin, essas prisões são uma cortina de fumaça para dar satisfação à opinião pública e deixar empresários e políticos poderosos envolvidos de fora do processo. "A justiça não foi feita com essas prisões. É coisa para inglês ver. Há muito mais gente com culpa no cartório e a impressão é de um jogo de empurra", disse. Ele defendeu que as investigações sejam retomadas imediatamente. D. Erwin está numa lista de 48 pessoas marcadas para morrer.

Há 40 anos atuando em comunidades carentes da Amazônia, d. Erwin, austríaco naturalizado brasileiro, acha que o governo Lula "aprofundou o abismo entre os que têm tudo e os que lutam e nunca conseguem nada". A decepção, a seu ver, é porque Lula não priorizou a reforma agrária nem promoveu a prometida justiça no campo.

D. Erwin também fez um apelo para que a Justiça "deixe de ser conivente com os criminosos ricos e não empurre suas decisões com a barriga". Ele reconhece que, em tese, está consagrada a independência dos poderes, mas desconfia que a Justiça reze pela cartilha do Executivo. "Na prática, a Justiça é um reflexo do governo. Quando o governo quer, ela anda, mas se alguém do governo sopra para ir devagar, ela pisa no freio e depois serve de desculpa para a omissão do poder público."

A Polícia Federal e o Ministério Público estão muito próximos de descobrir o sexto integrante da quadrilha que planejou e executou o assassinato. Seria o empresário paraense Délio Fernandes, que se transferiu de Belém para Anapu após ser processado por envolvimento nas fraudes da Superintendência da Amazônia (Sudam).

Délio é aliado de Taradão, que igualmente responde a processo pelas fraudes na Sudam. Taradão chegou a ser preso com o hoje deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). As investigações revelaram que ele assumiu a responsabilidade sozinho e ajudou Délio a se livrar no início do inquérito, mas os depoimentos dos pistoleiros já condenados complicaram o empresário, que pode ter prisão decretada.

O procurador da República Felício Pontes concorda que a justiça está incompleta enquanto os demais envolvidos não forem denunciados. Ele quer mais envolvimento federal no processo de pacificação da região e prepara ação judicial por crime de omissão contra o Incra.