Título: Viagem estreitou cooperação com africanos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Nacional, p. A4

Presidente recebe apoio à política externa e quer participar de reunião da União Africana

Com o corpo fechado por entidades vodus de Benin, Lula concluiu ontem seu quinto périplo pela África com a perspectiva de explorar a faixa oriental ainda este ano - ou em um segundo mandato. Nestes cinco dias pela Argélia, Benin, Botsuana e África do Sul, Lula somou 17 países africanos visitados em três anos e estreitou os fios de uma rede de cooperação em troca de apoio a iniciativas chaves de sua política exterior. "O presidente tem interesse em participar de uma reunião com a União Africana (UA), seja com a América do Sul ou com a Latina", afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A proposta de encontro entre sul-americanos e africanos foi apresentada pelo presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, que a reiterou recentemente na sede da UA, na Etiópia. A reunião foi sugerida a Lula em dezembro de 2003 pelo líder da Líbia, Muamar Kadafi. Assim como a visita ao Nordeste africano, qualquer iniciativa teria repercussão nos objetivos de Brasília.

Como o próprio Amorim ressaltou, o Brasil "compartilha visões comuns" com vários países africanos sobre comércio internacional. Várias nações da região fazem parte do G-20, a frente de economias em desenvolvimento que pretende obter resultados na área agrícola na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio. Além disso, a mudança da posição subserviente de países da África em relação à Europa em questões comerciais foi ponto central para fortalecer as posições do G-20 e de seus aliados na atual Rodada. Retomada no início deste ano, a campanha do governo por uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU dependerá das decisões a serem tomadas pela UA.

Em agosto de 2005, a reticência dos africanos em apoiar a reforma formulada pelo Brasil, Alemanha, Japão e Índia (G-4) e a decisão de apresentar sua própria sugestão jogaram um balde d'água fria em Brasília. Na Argélia, o tema foi tratado na conversa entre os presidentes Lula e Abdelaziz Bouteflika. A razão é simples: a Argélia é um país de várias dimensões - africana, árabe e mediterrânea -, ativo no cenário internacional e respeitado por suas posições, como descreveu Amorim. Foi um dos países africanos que mais se opôs à proposta do G-4 - mas salientou que apoiará a inclusão do Brasil no Conselho de Segurança, caso seja voto vencido e veja o projeto de reforma ser aprovado.

A expansão do comércio e dos negócios bilaterais é outra questão-chave. No ano passado, o Brasil elevou suas exportações aos 14 países visitados até então. A Argélia foi o que manteve o maior déficit do Brasil na África em 2005, de US$ 2,454 bilhões - por isso, a urgência em equilibrar as trocas. Entre os acordos firmados, está um que prevê tratamento preferencial a produtos brasileiros. A atuação de empreiteiras é outro dado favorável às exportações de serviços e bens brasileiros. A Argélia investirá US$ 60 bilhões em obras de infra-estrutura até 2009. Em Botsuana, o foco esteve na cooperação bilateral nas áreas de saúde e de esporte e também no respeito conquistado por Botsuana ao consolidar-se como economia capaz de manter renda per capita de US$ 5.700 ao ano, maior que a do Brasil. Este foi o momento para Lula retomar declarações sobre a dívida moral e cultural do País para com a África.

Em Benin, Lula esquivou-se de pedido de perdão pelo processo de escravidão - encontrou, em Ouidah, o descendente de um mercador de escravos brasileiro que tornou-se vice-rei do país - e, ao visitar o Portal do Não Retorno, de onde partiam os escravos, foi abençoado, recebeu proteção de três espíritos e deixou o país um pouco mais leve.