Título: Lula fica sem o apoio de Blair e agora defende mudanças na OMC
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Nacional, p. A4

Presidente quer que decisões da organização deixem de ser por consenso e passem a se dar por maioria de votos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC) para que suas decisões deixem de se dar por consenso dos 148 membros e passem a ocorrer pelo resultado de votações por maioria. Essa proposta foi apresentada ao fim da Cúpula da Governança Progressista, ao lado dos chefes de Estado da África do Sul, da Grã Bretanha, da Suécia, da Etiópia e da Nova Zelândia. O gesto, porém, não foi suficiente para camuflar seu fracasso em obter o apoio do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, à realização de uma reunião de "líderes mundiais" para destravar as negociações da Rodada Doha.

No início da manhã, Lula e Blair haviam tratado do assunto pela terceira vez em pouco mais de dois meses. A rigor, a busca do apoio do líder britânico foi a principal razão que o trouxe ao encontro de Pretória, depois de visitar três outros países africanos. A idéia de Lula seria reunir os chefes de Estado do G-8 (os oito países mais poderosos do mundo) e do G-20 - a frente de países em desenvolvimento que exige a abertura de mercados para a agricultura, o fim de subsídios à exportação do setor e a redução substancial das subvenções aos agropecuaristas. Em princípio, o encontro teria de se dar em março.

Nos 20 minutos em que conversaram, Blair mostrou-se engajado à idéia da cúpula, na qual se tentaria construir as linhas gerais do acordo final da Rodada, conforme relatou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. No entanto destacou que pretende antes ter maior clareza sobre o êxito dessa iniciativa - em uma indicação de que não se apresentará como co-responsável por um evento com risco de quórum inexpressivo.

Questionado pela imprensa, Blair não mencionou diretamente a proposta de Lula. Preferiu enfatizar que a Rodada Doha tem de ser concluída de "forma bem-sucedida o mais rápido possível". Destacou ainda que seu fracasso "seria horrível e irreversível", com prejuízos também para o mundo desenvolvido. Mas, em seguida, desconversou. "Eu faço parte de um bloco, e a União Européia trata esse assunto em bloco. Temos de debater com os outros."

Assim como Blair, Gôram Person, primeiro-ministro da Suécia (também membro da União Européia), argumentou que o insucesso da negociação significaria "um desastre", pois todos os países passariam a recorrer a acordos bilaterais de comércio. Person alegou que o fracasso da Rodada prejudicaria o processo de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU).

Amorim, entretanto, enfatizou aos jornalistas que a cúpula do G-8 e do G-20 sobre a Rodada "ainda é necessária", apesar de considerar o clima para as negociações mais positivo neste momento. Referiu-se à aparente disposição da União Européia de aprofundar sua proposta sobre o capítulo agrícola - ponto nevrálgico, que está travando a negociação. O comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, bem como o secretário-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, estiveram também em Pretória.

Lula, por sua vez, reiterou que o Brasil está disposto a fazer as concessões na liberalização dos setores de bens industriais e de serviços exigidas pelas economias desenvolvidas. Mas na medida "de seu tamanho e de sua capacidade" e da contrapartida na liberalização agrícola e no fim de subsídios.

MILAGRE

O presidente argumentou insistentemente que a Rodada Doha é uma oportunidade que não pode ser perdida, dada sua capacidade de eliminar o movimento econômico-comercial que empobrece cada vez mais os países menos desenvolvidos. Mas teve o cuidado de enfatizar que não deseja o empobrecimento do mundo desenvolvido. Ele explicou ainda que a Rodada chegou a um ponto crítico, no qual "o interesse deixou de ser econômico e passou a ser social e político", e disse que as decisões por consenso "atrapalham a verdadeira discussão".

"É nessa hora que entram os dirigentes políticos. Nós discutimos de forma madura, sabemos quais são os problemas e que há um limite. Mas sabemos também que o ser humano é feito de consciência e de coração. Não só de razão, mas de sensibilidade", afirmou. "A política de consenso é maravilhosa. Mas um, no meio de cem, pode atrapalhar qualquer negociação."

Em sua avaliação, a decisão por consenso é "uma contradição" nos organismos multilaterais. Apesar de comporem a maioria, explicou, os países mais pobres acabam não interferindo nos resultados de um acordo. "Por isso, eu defendo organismos multilaterais fortes e com poder de decisão. Porque aí, tanto a China quanto São Tomé e Príncipe, os Estados Unidos e a Nicarágua terão de acatar as decisões da maioria", afirmou. "Se formos capazes de produzir esse milagre, quero fazer parte dele."