Título: A recaída da Petrobrás
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Notas e Informações, p. A3

E m nota distribuída quarta-feira, a Petrobrás criticou, por intermédio de seu diretor, Ildo Sauer, o projeto de Lei do Gás do senador Rodolpho Tourinho, do PFL da Bahia, afirmando que o texto "compromete os investimentos na expansão da infra-estrutura de transporte do gás natural no País, condição fundamental para a organização e maturação de mercados emergentes ou em transição como o do Brasil". Os argumentos da estatal, que detém o controle total dos gasodutos que ligam os campos aos centros de distribuição (citigates), contrastam com o anúncio da empresa de que quer atrair maciços capitais privados para investir na Bacia de Santos.

A questão central é o virtual monopólio que a Petrobrás exerce no transporte do gás, controlando tanto o Gasoduto Bolívia-Brasil como a malha interna, sob controle da Transpetro.

O projeto do senador Tourinho, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, determina em seu artigo 30 que "fica assegurado a qualquer carregador o acesso aos gasodutos de transporte, mediante o pagamento da tarifa aplicável".

Isto é exatamente o que Petrobrás não quer. Há alguns anos, foi preciso que o grupo BG entrasse na Justiça para assegurar que o gás que extrai na Bolívia fosse enviado para outra empresa do grupo, a Comgás, por intermédio do Gasoduto Bolívia-Brasil. Naquele momento, ao contrário do que ocorre hoje, o gasoduto operava com elevada ociosidade. Ou seja, a Petrobrás não se interessou sequer em receber pagamento, preferindo exercer o controle total do gasoduto.

A Petrobrás pretende a exclusividade na utilização de gasodutos que construiu. Não definiu por quanto tempo, mas afirma que a União Européia estipulou que "os mercados emergentes tivessem um período de exclusividade de 10 anos".

Apenas em tese, hoje, é "livre" o acesso de terceiros aos gasodutos. Na verdade, pelo regime atual, "a Petrobrás possui total liberdade para discriminar usuários de seus gasodutos, praticar subsídios cruzados e, conseqüentemente, exercer o monopólio na produção e na comercialização do gás natural", como observam os especialistas Adriano Pires e Rafael Schechtman, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

O projeto da Lei do Gás rompe essa dependência ao substituir o modelo de autorização pelo de concessões, pelo qual o acesso aos gasodutos será regulado - e não negociado caso a caso, como hoje. Elimina, portanto, a base jurídica que assegura à Petrobrás o poder de fato de monopólio.

Outros tópicos foram criticados pela Petrobrás. A adoção do regime de concessão e licitação é considerada morosa e capaz de atrasar investimentos. A empresa parece ter-se esquecido de que nada foi mais moroso do que a decisão de construir o Gasoduto Bolívia-Brasil, proposto há cerca de meio século e que só começou a operar em 1999.

A criação do Operador do Sistema Nacional de Transporte de Gás Natural (Ongás) também é combatida pela estatal. Ela parece temer a natureza da Ongás, uma pessoa jurídica de direito privado que operaria à semelhança do ONS, do setor elétrico, o que reduziria o domínio do Estado sobre o setor.

Para responder à crítica de que a concentração do setor de gás impõe ônus ao Estado, a Petrobrás argumenta que pagou R$ 6 bilhões de dividendos à União sobre os resultados de 2004 e recolheu na forma de impostos, taxas e participações cerca de R$ 70 bilhões à administração pública. A argumentação é canhestra, pois não se sabe o montante de tributos que seria recolhido se a Petrobrás fosse uma empresa privada, nem como seria o mercado competitivo de petróleo e gás.

É iminente o risco de um colapso no abastecimento do gás, pois a demanda está crescendo muito mais do que a oferta. A Lei do Gás pretende, reduzindo o peso da Petrobrás, atrair empresas privadas, que só se sentirão seguras quanto ao suprimento de gás se tiverem acesso fácil aos gasodutos.

A Lei do Gás tem apoio na sociedade e no Congresso. Contra ela está a Petrobrás, cuidando de manter o seu monopólio virtual e ignorando a necessidade de atrair investidores em exploração, produção e transporte de gás e, sobretudo, de respeitar o interesse do consumidor.