Título: Fatah pode governar com Hamas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2006, Internacional, p. A11

O grupo islâmico Hamas indicou ontem formalmente ao presidente da Autoridade Palestina AP), Mahmud Abbas, o chefe de sua lista nas eleições de janeiro, Ismail Haniye, para primeiro-ministro palestino. Hoje à noite, num encontro em Gaza, Abbas fará o convite oficial a Haniye para formar o governo no máximo dentro de cinco semanas - prazo-limite estipulado pela legislação.

Ontem à noite, Abbas surpreendeu os meios políticos locais ao admitir que seu partido, a Fatah- o grande derrotado nas eleições parlamentares - poderá aceitar formar uma coalizão de governo com o Hamas, "sob certas condições". "Se houver uma base mútua, a Fatah se unirá ao governo, pelo interesse dos palestinos", disse Abbas, segundo a edição online do diário israelense Haaretz.

Essa é a primeira vez que um dirigente da Fatah admite negociar a entrada num governo liderado pelo Hamas. Logo após a eleição, sua cúpula decidiu passar para a oposição. Abbas não especificou quais seriam as condições, mas nas últimas semanas ele tem insistido com o Hamas para que reconheça a existência de Israel e renuncie à violência, cumprindo, assim, os acordos de paz firmados com os israelenses. O Hamas, porém, se mantém irredutível em seu objetivo de destruir Israel e apenas propôs uma trégua de longo prazo com Israel. Nos últimos anos, o grupo se responsabilizou por dezenas de atentados suicidas em Israel

Haniye reuniu os jornalistas ontem para falar de seu plano de estruturar um amplo governo de coalizão. O Hamas quer convencer a comunidade internacional de que o gabinete representará todos os palestinos. com isso, pretende evitar o corte da ajuda financeira de governos e instituições, como vêm ameaçando os EUA e a União Européia (UE), que classificam o grupo como terrorista. Além disso, a grande maioria dos funcionários públicos, bem como os integrantes das forças de segurança, são ligados à Fatah.

Ontem mesmo, outro líder do Hamas, Mahmud Zahar (foto), iniciou conversações com duas facções: a Jihad Islâmica, grupo fundamentalista islâmico que boicotou as eleições de janeiro, e a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), de tendência marxista, que conquistou 3 das 132 cadeiras do Parlamento. O Hamas obteve 74 e seu principal rival, a Fatah, ficou com 45.

"Não vamos participar do governo, mas ficaremos ao lado do Hamas no projeto da resistência para proteger os interesses de nosso povo", disse Nafez Azzam, um dos principais dirigentes da Jihad. Jamil al-Majdalawi, da FPLP, se mostrou propenso ao diálogo.

O chefe da Política Externa e de Segurança da UE, Javier Solana, disse que o quarteto de mediadores para o Oriente Médio (ONU, UE, Rússia e EUA) concordou ontem em esperar até que o Hamas assuma o governo para decidir sobre o bloqueio de fundos. A principal represália até agora foi adotada no domingo por Israel, que anunciou o corte da transferência mensal para a AP de mais de US$ 50 milhões em impostos cobrados sobre produtos importados pelos palestinos. Também suspendeu os contatos entre as forças de segurança israelenses e palestinas, restringiu a passagem de parlamentares do Hamas de Gaza para a Cisjordânia e aumentou a vistoria de palestinos nos postos de controle israelenses, principalmente nos de Karni e Erez, que separam Gaza de Israel.