Título: Os acordos reforçam a integração
Autor: Juan Pablo Lohlé
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

Agora que já se passaram alguns dias desde que a Argentina e o Brasil acordaram estabelecer o Mecanismo de Adaptação Competitiva, Integração Produtiva e Expansão Equilibrada e Dinâmica do Comércio (MAC) e que o calor das primeiras impressões já esfriou, a ocasião resulta propícia para ensaiar uma reflexão que procure pôr a questão em sua justa dimensão.

A Argentina tem sofrido nos últimos anos um processo de destruição da sua estrutura produtiva. Muito além de que parte disso possa ser interpretada como conseqüência de erros próprios, o certo é que a Argentina precisa reconstruir seu parque industrial. Por outro lado, ao Brasil não convém uma Argentina desindustrializada dentro do Mercosul. Essa é a base desta negociação, que começou há um ano e meio e na qual participaram os setores privados de ambos os países. Alguns estão mais satisfeitos, outros, menos; é inevitável em qualquer negociação.

O documento a que se chegou pôs ao alcance dos empresários de ambos os países regras que contribuirão para resolver problemas que podem acontecer de um lado ou de outro da fronteira. O comércio bilateral entre a Argentina e o Brasil atingiu US$ 16,1 bilhões, o que constitui um recorde histórico que supera em cerca de US$ 1 bilhão os anteriores picos de 1997 e 1998, e vem se recuperando de forma sustentada desde a queda produzida pela crise argentina de 2002. Isso continuará assim. É necessário dizê-lo com clareza: não haverá uma diminuição brusca do comércio bilateral em nenhum dos sentidos por causa das novas regras.

Fatos de natureza macroeconômica, como a desvalorização do real no início de 1999 e a crise econômica da Argentina no final de 2001, alteraram os tradicionais padrões comerciais e levaram a uma situação como a dos anos 2004 e 2005, em que o histórico superávit da Argentina se transformou em grandes déficits, que atingiram US$ 2 bilhões e US$ 3,7 bilhões, respectivamente.

Alguns setores industriais argentinos começaram a sentir o peso maior da economia brasileira e procuraram soluções. Embora esses setores (eletrodomésticos, calçados, etc.) não representem mais de 5% da balança comercial bilateral, sua situação significou um chamado de alerta em relação a eventuais desequilíbrios que se poderiam produzir no futuro. Até agora esses conflitos vinham sendo resolvidos dentro da Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral, criada em 2003 por meio de acordos entre os setores privados. Isso continuará sendo assim. O MAC é um mecanismo subsidiário dos acordos privados. De fato, só se aplica diante da incapacidade dos setores privados de chegar a uma solução mutuamente conveniente. Nesse sentido, resolve um problema fundamental para o setor privado, já que constitui o caminho a seguir no caso de não se chegar a um acordo.

Convém aqui destacar que esses desequilíbrios bruscos que se produzem no fluxo do comércio bilateral encontram sua principal causa em questões de caráter estrutural. Ninguém desconhece que, passados 15 anos do Tratado de Assunção e 10 anos do Tratado de Ouro Preto, a Argentina e o Brasil ainda não conseguiram coordenar e harmonizar suas políticas macroeconômicas e setoriais, como mandam suas normas. Ainda subsistem inúmeras regulações e incentivos que, muito além das diferenças lógicas de tamanho entre os dois países, geram assimetrias que distorcem a competitividade e o comércio bilateral. Além disso, os avanços nas questões tarifárias não se repetiram nas barreiras não-tarifárias. Algo pouco comentado na mídia brasileira é que produtos argentinos (vacinas antiaftosa, resinas PET, registro de agrotóxicos, etc.) sofrem limitações no acesso ao mercado brasileiro.

Assim, o MAC não deve ser visto como um mecanismo restritivo do comércio nem como uma vitória da Argentina sobre o Brasil. O MAC vem para preencher um vazio normativo e dar certeza e confiança ao comércio e aos investimentos.

Outro tema pendente no Mercosul é o da carência de instituições. Um mercado comum precisa de instituições comuns. A diferente hierarquia dos tratados nas constituições da Argentina e do Brasil representa uma séria dificuldade na hora de aplicar a legislação comunitária. Por outro lado, em ambos os países é muito baixo o grau de internalização da normativa comunitária em seus ordenamentos jurídicos. O próprio embaixador José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina e impulsionador do Mercosul, reconhece que são necessárias uma institucionalização ainda maior e autoridades supranacionais.

Mais que as soluções específicas que as negociações do MAC alcançaram, sua concretização tem requerido um exercício importantíssimo por parte da Argentina e do Brasil. Havia anos que os sócios não se sentavam para conversar e para ver como solucionar problemas que, em última instância, são dos dois. O MAC não é um mecanismo ao qual se deva temer, muito ao contrário. Ele foi pensado para apoiar e dar um enquadramento jurídico a uma negociação entre privados que são, no fim das contas, os principais interessados em chegar a uma solução mutuamente conveniente. Paradoxalmente, poderia se dizer que seu sucesso será sua não-utilização.

Do ponto de vista político, sua importância talvez seja maior. É uma amostra de como a Argentina e o Brasil podem acordar normas comuns em benefício de seus habitantes.