Título: Propina a russos não causa surpresa
Autor: Kazuo Inoue
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2006, Economia & Negócios, p. B5

Exportador confirma que suborno já é tema de comentários no setor

A denúncia do pagamento de propinas para contornar o embargo russo à carne brasileira não é novidade para o presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS), Wolmir de Souza.

Em sua edição de domingo, o Estado trouxe denúncia de um agente de comércio exterior, de que exportadores de carne brasileiros estariam subornando funcionários do governo russo para continuar vendendo carne naquele país. A propina, segundo esse agente, seria de US$ 125,00 por tonelada. O esquema, segundo a denúncia, explicaria por que as exportações de carne para a Rússia praticamente dobraram entre dezembro de 2005 e janeiro de 2006, passando de US$ 24,82 milhões para US$ 45,38 milhões.

Souza considera "muito estranho" o aumento das vendas em janeiro, após o embargo aos produtos brasileiros em 12 de dezembro do ano passado por causa do surto de febre aftosa no Paraná. Segundo ele, a explicação é de que seriam permitidos os embarques dos produtos de animais abatidos antes do embargo, o que abriria caminho para várias manobras, como alterar as datas do abate.

Ele admite que existe uma conversa corrente no setor sobre propinas pagas aos russos para facilitar os negócios, mas não pode acusar ninguém sem provas. Acima dos rumores há o fato de que o consumidor russo gosta muito do produto brasileiro, o que justificaria o interesse em manter aquele mercado abastecido, afirma o presidente da ACCS. Souza esteve na comitiva do governo catarinense que foi a Moscou no mês passado para levar a documentação sobre o status sanitário diferenciado de Santa Catarina, que não registra qualquer caso de aftosa desde 1993 e desde 2000 não vacina mais seu rebanho.

"Não ficamos muito bem vistos por causa do surto no Paraná", afirma Souza, para quem as autoridades russas teriam sentido que houve por parte do governo brasileiro uma tentativa de esconder o que estava ocorrendo. Um efeito perverso do embargo foi sentido no mercado interno, que ficaria abarrotado com os produtos não exportados e derrubaria os preços, que realmente caíram para o produtor. Só que o volume de exportações em janeiro foi 20% maior do que o mesmo mês de 2005, de acordo com Souza.

A Welby do Brasil, que faz a liberação das carnes para o mercado russo e apontada como intermediária da propina, nega a existência do pagamento. Vladimir Prestes, neto do líder comunista Luiz Carlos Prestes, nascido e criado em Moscou, é o gerente administrativo da empresa. Ele tem como uma de suas principais funções servir como intérprete dos veterinários russos que fazem a inspeção final dos lotes de carnes, em nove portos brasileiros.Segundo ele, o trabalho dos técnicos russos é o de conferir se os produtos embarcados estão de acordo com o certificado emitido pela fiscalização do Ministério da Agricultura do Brasil.

INTERPOL

O presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) criticou o possível pagamento de propinas por parte de exportadores brasileiros para vender carne para a Rússia. "Se é que isso existe, é uma infração muito grave", afirma. "Não é dessa maneira que vamos resolver o problema do embargo, e sim atendendo às exigências de controle sanitário." Na sua avaliação, o pagamento de propina "depõe contra o segmento de frigorífico, que acha que com propina se compra tudo." Brincando, o deputado afirmou que vai requisitar ajuda da Interpol para fazer "uma CPI internacional" para investigar o caso. Caiado disse desconhecer a existência do esquema. "Estou ouvindo falar pela primeira vez agora", comentou.