Título: Fundeb é novo risco fiscal
Autor: RIBAMAR OLIVEIRA
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

Autoridades do Ministério da Fazenda estão muito preocupadas com a proposta de emenda constitucional que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recentemente aprovada pela Câmara. A análise da Fazenda é a de que o desenho do Fundeb feito pelos deputados amplia consideravelmente os gastos correntes, aumenta as vinculações de receitas orçamentárias e torna ainda mais rígidas as relações trabalhistas. Em resumo, da forma como está redigida a proposta vai em direção oposta àquela que a área econômica considera que o País deve seguir.

Poucas pessoas se deram conta de que a emenda do Fundeb amplia a vinculação da receita tributária destinada aos gastos com a educação. Atualmente, a Constituição estabelece que 18% da arrecadação dos impostos da União devem ser aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino. A emenda aprovada pela Câmara prevê que apenas 30% da parcela com que o governo federal complementará o Fundeb poderão sair desses 18%. Os outros 70% terão que sair de outras receitas tributárias. Os recursos da contribuição do salário-educação também não poderão ser utilizados.

A proposta de criação do Fundeb encaminhada pelo governo ao Congresso, e que não foi acolhida pela Câmara dos Deputados, dizia que os 70% do complemento da União sairiam do corte permanente de outras despesas correntes, inclusive com a redução de despesas de custeio. Esta cláusula, fundamental para o equilíbrio das contas públicas, foi retirada pelos deputados. Também foi retirado o dispositivo que determinava que as despesas correntes deveriam se ater aos limites fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LDO válida para 2006 fixa em 17% do Produto Interno Bruto (PIB) o limite para as despesas primárias correntes (não inclui o pagamento de juros e dos investimentos).

A vinculação das receitas estaduais e municipais com a educação básica também será ampliada. Hoje, as prefeituras e os governos estaduais são obrigados a destinar 15% da arrecadação com o ICMS, IPI-exportação, lei Kandir, Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef).

A emenda aprovada pela Câmara destina 20% da arrecadação dos Estados e municípios com o ICMS, IPI-exportação, lei Kandir, FPE, FPM, do Imposto de Renda retido pelos Estados e municípios de seus funcionários, do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), do Imposto sobre Transferência de Imóveis Causa Mortis ou Doação (ITCMD) e do Imposto Territorial Rural (ITR) para o Fundeb.

O dinheiro do Fundeb será utilizado para custear todas as etapas da educação básica: infantil, ensino fundamental e médio. Haverá um gasto mínimo por cada estudante, cujo valor será definido em lei. É o complemento da União que permitirá que o valor mínimo possa ser o mesmo em todos os recantos do País. Ou seja, o dinheiro da União permitirá que os Estados e municípios mais pobres, com receita tributária menor, possam gastar com cada aluno o mesmo que os Estados e municípios mais ricos.

A emenda aprovada pela Câmara mudou o valor do complemento da União, que foi proposto pelo governo. A área econômica queria fixar o valor em R$ 4,3 bilhões a partir do quarto ano de vigência do Fundeb. Para os primeiros três anos seriam obedecidos os critérios a serem definidos na lei que irá regulamentar o Fundeb. A Câmara não aceitou e decidiu fixar o complemento em R$ 2 bilhões para o primeiro ano de vigência do Fundeb, R$ 2,85 bilhões para o segundo ano, R$ 3,7 bilhões para o terceiro e R$ 4,5 bilhões para o quarto. Esses valores serão corrigidos pelo IPCA, a partir da promulgação da emenda.

A partir do quinto ano de vigência do Fundeb, a emenda aprovada pela Câmara estabelece que o complemento da União passará a corresponder a 10% do total do Fundo. Ou seja, a despesa da União aumentará na mesma proporção do crescimento real da arrecadação dos Estados e municípios. Por essa razão, o complemento passa a ser, caso a proposta da Câmara seja aprovada pelo Senado, uma despesa em aberto.

Há ainda um artigo na emenda determinando que a União, os Estados e os municípios devem ajustar progressivamente, em um prazo de 5 anos, suas contribuições ao Fundeb, "de forma a garantir um padrão mínimo de qualidade de ensino definido nacionalmente".

Do total dos recursos do Fundeb, 60% serão destinados ao pagamento dos professores e demais profissionais da área de educação escolar. A emenda aprovada pela Câmara cria um piso salarial nacional para os professores. A proposta do governo não previa esse mecanismo. Caso a emenda seja aprovada pelo Senado, os professores da educação escolar passarão a ser a única categoria profissional com piso nacional garantido explicitamente no texto da Constituição.

A área econômica considera que a criação de um piso nacional para os professores torna ainda mais rígidas as relações trabalhistas e vai em direção oposta ao projeto que o País terá que discutir, qualquer que seja o futuro presidente. O debate que está na ordem do dia é o da flexibilização da legislação trabalhista para que o negociado livremente entre empregadores e empregados prevaleça sobre o legislado.

Além disso, observam fontes do Ministério da Fazenda, o piso unificado nacionalmente desconhece as diferentes realidades econômicas estaduais e municipais. Um piso que pode satisfazer os professores de Estados mais pobres não será suficiente para os professores de São Paulo, por exemplo, onde as condições de vida são mais caras. Os técnicos oficiais advertem que a definição do piso nacional poderá resultar em aumento da participação da União no Fundeb.

Na prática, a emenda aprovada pela Câmara define um gasto mínimo por aluno e um gasto mínimo por professor. Com um agravante: determina que a lei estabeleça um prazo para a elaboração ou adequação de planos de carreira dos profissionais da educação básica. As autoridades da Fazenda ouvidas por este colunista concordam com o aumento de gastos com a educação, mas acham que o Congresso deve estabelecer regras para que as novas despesas sejam compensadas pelo cancelamento de outras menos prioritárias. Esta é a única forma de impedir que as despesas correntes cresçam mais do que o PIB, o que tem acontecido nos últimos 10 anos.