Título: Suspensão de ajuda a palestinos não é tarefa simples
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2006, Internacional, p. A8

Recursos americanos, que foram de US$ 275 milhões em 2005, financiam pequenos negócios, e não a AP

BELÉM, CISJORDÂNIA

A cabana com o chão coberto de serragem onde Bassam Zablah transforma madeira de oliveira em contas de rosário parece um destino improvável para a generosidade americana. Zablah e sua esposa, Samar, tomam emprestado algumas centenas de dólares de uma organização palestina sem fins lucrativos que recebe dinheiro dos EUA. Os empréstimos ajudam o casal a pagar a madeira.

Mas a incerteza em relação à continuação da ajuda americana depois da vitória eleitoral dos Hamas lançou dúvidas sobre a forma que a assistência financiada com recursos americanos tomará no futuro. Os EUA proporcionam uma variedade de ajudas, boa parte delas oferecidas por meio de programas modestos como o que auxilia Zablah a manter seu minúsculo negócio funcionando.

Em meio às advertências por parte do governo de George W. Bush de que a vitória do Hamas poderá ameaçar o fluxo de recursos, as autoridades americanas estão revendo projetos por toda a Cisjordânia e a Faixa de Gaza que, no ano passado, receberam US$ 275 milhões da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA, a Usaid. Isso incluiu US$ 50 milhões em ajuda direta, que os EUA agora pedem à Autoridade Palestina (AP) que devolva.

Algumas iniciativas de construção e planejamento foram suspensas, disseram autoridades palestinas, e o destino de outras assistências dos EUA está balançando. Autoridades americanas disseram que os programas para os quais já existe dinheiro comprometido continuarão.

A secretária de Estado Condoleezza Rice tem dito que as decisões sobre a ajuda futura virão depois que o novo governo tomar forma.

A surpreendente vitória eleitoral do Hamas, oficialmente comprometido com a destruição de Israel e classificado pelos governo dos EUA como grupo terrorista, fez com que surgissem projetos de lei no Congresso propondo restrições à ajuda aos palestinos.

O governo Bush já avisou que se recusará a tratar com o Hamas ao menos que a organização mude sua forma de agir, e países europeus avisaram que dezenas de milhões de dólares em assistência fornecida por eles também poderão estar em perigo.

"É um equívoco financiar uma organização terrorista", disse o deputado americano Vito J. Fossella, republicano do Estado de Nova York, autor de um projeto de lei que suspende o auxílio. "Até que o Hamas renuncie ou modifique seu comportamento, não devemos entregar nenhum dólar do contribuinte americano para apoiá-lo".

Os cortes nos recursos financeiros agravam os terríveis apertos financeiros enfrentados pela AP, que obtém cerca de US$ 1 bilhão por ano em ajuda externa de várias fontes, uma soma que é igual à quase metade de seu orçamento. Há vários meses que o governo palestino não tem conseguido saldar a folha de pagamentos mensais de US$ 116 milhões.

Mas suspender a ajuda americana é mais complicado do que parece, pois o dinheiro não vai quase nunca diretamente para a AP, a estrutura de governo que o Hamas vai liderar. A ajuda direta à AP foi proibida por uma lei americana de 1997, para impedir que fosse desviada por líderes corruptos.

Os recursos são manejados por organizações sem fins lucrativos que levam adiante uma série de projetos, desde a construção de esgotos e estradas até a orientação de jovens palestinos e o fomento a instituições democráticas.

Por exemplo, na região de Belém, o governo dos EUA já gastou US$ 30 milhões desde 2000 na melhoria do suprimento de água, acrescentando bombas, reservatórios e poços. No segundo semestre do ano passado, a Usaid anunciou um adicional de US$ 24,4 milhões para um projeto de cinco anos destinado a ensinar os jovens palestinos a serem líderes e membros produtivos da sociedade.

As autoridades palestinas dizem que interromper o fornecimento desses recursos para esse tipo de programas faria mais mal do que bem por reduzir os recursos para milhares de palestinos comuns.

"Suspender a ajuda para projetos em andamento não é uma idéia construtiva do ponto de vista do desenvolvimento e planejamento. Também não é prudente do ponto de vista político", disse Ghassam Khatib, ministro do Planejamento da AP. "Essas medidas americanas atingirão os alvos errados."