Título: Arrancando as próprias penas
Autor: Luiz Weis
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

Bem pensadas as coisas, importa pouco se o presidente Lula está 10 pontos à frente do tucano José Serra nas pesquisas ou se este é quem tem oito pontos a mais do que aquele.

A oito meses do voto, a pontuação dos candidatos conta menos e talvez influa menos no curso da campanha do que uma realidade visível a olho nu: o contraste entre a competência eleitoral de Lula e a capacidade dos seus adversários de arrancar as próprias penas.

Fazia tempo que não se via, por exemplo, tamanho espetáculo como o da Convenção do Massimo - a ceia do trio de arbitragem das ambições peessedebistas (Fernando Henrique, Tasso Jereissati e Aécio Neves) com o seu preferido Serra, no fim da noite de quinta-feira, no grão-restaurante italiano de São Paulo.

Três noites antes, no momento culminante do ritual de exorcismo dos desvios éticos petistas que foi a festa dos 26 anos do outrora partido da ética, Lula concedeu aos companheiros caídos em desgraça a absolvição plena ao proclamar que "errar é humano".

Mas a indevida anistia que o presidente se achou no direito de dar aos seus Delúbios ficou no horizonte do público menos tempo do que se leva para dizer Amarone Della Valpolicella, corte Santa Alda, safra 95, e Cabernet Gregoletto, safra 99, da cava Colli Trevigiani.

Estes, como se sabe, são os vinhos que o governador Geraldo Alckmin foi privado de tomar por ter sido excluído da seleta ceia dos notáveis em que o seu rival prefeito teria dito o que até os manobristas do Massimo podiam adivinhar: que aceitaria ir para o confronto com Lula desde que o partido inteiro o ungisse.

Política é imagem. E o que ficou do fino ágape, além das fotos dos bons vinhos e da chapada deselegância com Alckmin - ele "precisa acordar cedo", justificou FHC, entre risos reveladores -, foi a percepção de que, para escolher o seu candidato, os hierarcas do PSDB adotam o método do conchavo de poucos talheres, símbolo de um estilo arcaico de fazer política, rejeitado pelo eleitor.

A Convenção do Massimo provavelmente será apenas uma nota de rodapé na história da sucessão presidencial brasileira de 2006. Mas dela foi preciso se ocupar pelo que representa, como imagem-síntese da falta de prumo de uma oposição que se comporta como um pelotão de fuzilamento disposto em círculo - mandando bala.

O PSDB e seus aliados do PFL ficaram roucos de tanto acusar o presidente, ao longo de três anos, de despreparo para o cargo. Motivos decerto tiveram. Parece, no entanto, que eles não se deram conta do próprio e duplo despreparo: para ser oposição em tempos de crise e para recuperar em outubro o cargo estrepitosamente perdido em 2002.

O leitor já deve ter se fartado de ouvir que a oposição não soube administrar a seu favor os escândalos do mensalão. Mas essa não é uma das tais mentiras que de tão repetidas se tornam verdadeiras: é, de fato, uma verdade - essencial, aliás, para pensar no que vem aí.

Ou por ter os seus próprios esqueletos no armário que Lula poderia abrir se o seu mandato ficasse realmente a perigo; ou por temer que a economia não suportasse a metástase da crise política em crise de governo, hipótese catastrófica para as bases sociais tucano-pefelistas; ou por achar que nem fosse mais o caso de radicalizar, pois o presidente havia virado um incurável pato-manco, a oposição primeiro vacilou e depois deu como certos os ovos que a galinha ainda não pusera.

A ciclotimia tucana é caso de manual. Em 2004 o candidato José Serra prometeu por escrito cumprir até o fim o mandato de prefeito a que aspirava, ao que tudo indica porque, àquela altura, também ele devia achar que Lula levaria a reeleição com os braços amarrados nas costas.

Veio o mensalão. O Brasil viu o petismo de resultados nos depoimentos da dupla Delúbio & Silvinho, os dólares na cueca, a queda e a cassação do superministro e deputado José Dirceu, os gaguejos de Lula dizendo-se traído e que não tinha como saber o que os traidores aprontavam.

Nessa toada, com a classe média amaldiçoando o dia em que enfim deu uma chance ao "Lulinha, paz e amor" de Duda Mendonça, passaram os oposicionistas a apostar que o presidente que fazia praça de ser contra o estatuto da reeleição estaria fadado a ter o que seria apenas coerente com isso: um só mandato.

Eis que os pessimistas convertidos em neo-otimistas são de novo apanhados no contrapé pela recuperação da credibilidade do presidente, movida a pacotes de bondades, palanquismo monopolista em tempo integral, percepção popular de que o inferno da corrupção são os outros - e, diante da crise, uma arraigada solidariedade da "massa dos não-informados" (palavras de FHC) com o governante visto como um deles. Pensando como ele, tomam pelo valor de face as suas figuras de linguagem e concordam com as suas asserções.

Os "sim-informados" aparentemente não notam que essa identificação se entrelaça fortemente com a certeza de que Lula governa voltado para os seus iguais. Assim é recebido o aumento antecipado de 16% no salário mínimo, em temporada de baixa inflação. Poucas coisas são tão simbólicas neste país como o índice de reajuste do salário mínimo - e não só para os que dele vivem.

Vá a oposição convencer a "massa" que as coisas melhoraram não por causa do presidente com quem é solidário, mas apesar dele, e o que colhe foi outro quem plantou. Ainda mais uma oposição que hesita entre um ex-ministro que facilitará a marota operação reeleitoral de comparar o atual governo com o anterior e um governador cujo patrimônio apregoado é o seu hipotético potencial de crescimento.

Um ou outro poderiam dar um grande presidente. Mas, para chegar lá, precisariam fazer a proeza de tomar de Lula a parcela decisiva da confiança popular que ele soube reaver.

Luiz Weis é jornalista