Título: O problema dos precatórios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Depois de ter sido objeto de um longo processo de negociação com a equipe econômica do governo e com Estados e municípios, a fórmula apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para se tentar resolver o velho problema dos precatórios vencidos está finalmente em condições de ser formalizada por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A idéia do ministro Nelson Jobim é que ela seja apresentada ainda esta semana pelo presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Os precatórios são dívidas do poder público que o Judiciário manda pagar. Mas, como as diferentes instâncias governamentais não têm recursos suficientes para cumprir o que os tribunais determinam, o calote que as prefeituras, os Estados e a União aplicam em seus credores não apenas desmoraliza a ordem jurídica e a Justiça, mas também dificulta o relacionamento do Executivo com a Justiça e abre caminho para tensões institucionais.

Irritados com o descumprimento de suas sentenças, muitos tribunais têm deferido pedidos de seqüestro de receitas de Estados e municípios para o pagamento dos débitos judiciais vencidos, o que não resolve o problema e muitas vezes leva governadores e prefeitos a terem de suspender serviços essenciais, como fornecimento de merenda escolar. Além disso, como a Constituição permite a intervenção da União nos Estados e municípios que não pagam dívidas judiciais, inúmeras ações têm sido protocoladas pelos credores com esse objetivo, o que deixa o STF numa posição delicada. Isto porque, se acolher esses pedidos, a corte pode arruinar as finanças estaduais e municipais. E, se rejeitá-los, para evitar o pior, como tem ocorrido, ela tende a perder autoridade e credibilidade.

Para se ter idéia do problema, o volume de débitos judiciais estaduais e municipais não pagos é estimado em R$ 62 bilhões. O maior devedor é o Estado de São Paulo, com R$ 13 bilhões em precatórios vencidos, seguido pela Prefeitura da capital, com R$ 10 bilhões. Essa fila de credores é superior a 485 mil pessoas, das quais 85% têm direito a valores inferiores a R$ 15 mil.

A situação chegou a tal ponto que, em 2005, a OAB pensou em pedir à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que declarasse como violação às garantias fundamentais o não-pagamento dos precatórios de tipo alimentar, que decorrem de litígios sobre índices aplicados no reajuste de salários e aposentadorias. Os demais precatórios resultam de ações impetradas por cidadãos e empresas prejudicados por pacotes econômicos e de discussões sobre indenização de propriedades desapropriadas para construção de obras públicas e preservação de matas e florestas. Além de subavaliar o valor das indenizações, muitos governantes já fazem a desapropriação sabendo de antemão que nem eles nem seus sucessores pagarão a dívida.

Pela proposta que Jobim entregará a Calheiros, União e Estados destinarão 3% de sua despesa líquida primária do ano anterior para o pagamento de dívidas judiciais vencidas e os municípios, 1,5%. Do total desses recursos, 30% serão usados para o pagamento à vista dos precatórios, de acordo com uma fila que dará prioridade aos débitos de menor valor. Os outros 70% serão destinados a leilões, nos quais o poder público pagará as dívidas com deságio. Em outras palavras, quem tiver uma dívida vencida e não quiser esperar sua vez na fila terá prioridade no pagamento quanto mais desconto se dispuser a aceitar.

A proposta também muda os critérios de atualização monetária, adotando a correção pelo IPCA, mais juros de 6% ao ano. No governo federal, a equipe econômica se opôs no início a uma solução para a questão dos precatórios com receio de que ela poderia aumentar a dívida pública. Já os Estados e municípios reivindicavam a exclusão, no cálculo da despesa líquida primária, dos recursos destinados para saúde e educação.

Depois de muitas idas e vindas, todos cederam e chegaram à fórmula que será convertida numa PEC. Se for aprovada, ela será um passo decisivo para levar os dirigentes a cumprir ordens judiciais e a respeitar os direitos de aposentados, proprietários desapropriados e empresas cujos negócios foram afetados pelo arbítrio de determinados pacotes econômicos.