Título: Casas no Paranoá continuam ilegais
Autor: Gilse Guedes
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Vida&, p. A22

Lago artificial de Brasília é sistematicamente invadido por construções de ministros, parlamentares e empresários

Em agosto de 2005, a secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal notificou moradores de mansões localizadas no Lago Sul e Norte para que demolissem construções irregulares em áreas de preservação ambiental às margens do Lago Paranoá e suspendessem o uso ilegal de água do lago.

Passados seis meses, poucas providências foram tomadas. Na lista das irregularidades estão aterros que avançam sobre o Paranoá para construção de quadras esportivas, quiosques, churrasqueiras de alvenaria, marinas, ancoradouros e muros de arrimo. Além dessas ilegalidades, foi comprovada a captação de água do lago para que os vistosos gramados das mansões fossem regados.

INFRATORES ILUSTRES

Na relação dos notificados há empresários e instituições públicas, como a Câmara dos Deputados, Senado e Ministério da Fazenda. Representantes da secretaria de Meio Ambiente verificaram que nas residências oficiais do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e dos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), funcionários estavam bombeando água do Paranoá para regar a grama.

Segundo o subsecretário de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal, Pedro Celso Antonieta, o fim da captação de água do Paranoá foi acatado pelas instituições responsáveis pela administração das casas oficiais localizadas na chamada Península dos Ministros, no Lago Sul.

Mas as demais ilegalidades praticadas por moradores das mansões podem ser vistas por quem passa perto dos edifícios. De acordo com o subsecretário, o governo do DF não pode exigir a retirada de várias construções, porque a Justiça, a pedido do Ministério Público local, suspendeu os efeitos do decreto 24.499, assinado pelo governador Joaquim Roriz (PMDB), que regularizava várias obras.

"Não podemos pedir para que os moradores destruam aquilo que construíram, porque não sabemos qual regra será válida ao final da ação", justifica Antonieta. Pelo decreto de Roriz, muros de arrimo, marinas, cais e locais de atracação para embarcações são permitidos em faixas de preservação ambiental. O decreto só não permite construções de áreas de lazer, como quadras de esporte.

Mas, pela legislação federal, tudo isso é proibido. Na área de 30 metros desde a beira do espelho d'água até o solo, conforme lei ambiental e resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), nada pode ser erguido.

MELHOR EXEMPLO

A infração-símbolo à legislação ambiental é a casa do pai do senador Valmir Amaral (PMDB-AL), o empresário Dalmo Josué Amaral. Ele invadiu 19.294 m2 de terreno supostamente protegido - só um aterro feito no Paranoá para levantar uma marina toma 1.092 m2. Na área ocupada ilegalmente estão quadras de tênis, futebol, vôlei, uma churrasqueira e um heliporto - muitas das construções em área de preservação ambiental. Foi a forma encontrada por Amaral para ampliar sua morada edificada em um lote de 1.100 m2.

"É um verdadeiro clube. É a ocupação mais emblemática. O governo do DF já conseguiu na Justiça a retirada de tudo isso, mas o empresário recorreu. O caso está no STJ e esperamos ganhar a ação", diz a administradora do Lago Sul, Natanry Osório. Mas ela discorda - por razões ecológicas - das regras definidas pela legislação federal que proíbem todo tipo de muro de arrimo e marinas. "Alguns tipos de muro são necessários para evitar a diminuição do tamanho do lago", avalia.

TRADIÇÃO DE DESRESPEITO

Para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama), as ocupações expõem o histórico de desrespeito às leis ambientais na capital federal que pode levar ao desaparecimento do Paranoá, um lago artificial com 80 quilômetros de extensão construído na época da fundação de Brasília. "Há um comprometimento da vida do Paranoá, porque áreas de nascentes foram aterradas e áreas de preservação desmatadas", diz o gerente-executivo do Ibama do Distrito Federal, Francisco Palhares.

Sobre a falta de ação do Ibama para exigir respeito às regras ambientais na orla do Paranoá, Palhares diz que cabe à secretaria de Meio Ambiente atuar na área urbana do Distrito Federal.

Diante do risco de desaparecimento do Paranoá, a 4ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do DF entrou com uma ação para exigir a desobstrução da orla do lago com a retirada de todas as construções ilegais. Foi obtida uma liminar que determina que a secretaria de Meio Ambiente não pode dar licenciamento para nenhuma nova construção irregular. Mas até o julgamento do mérito da ação, quando será analisado o pedido para desocupação da faixa invadida, aquilo que já foi erguido em área de preservação poderá ser mantido pelos proprietários das casas.

"O que acontece ao longo do Paranoá é que a pessoa constrói, degrada e entra com processo de licenciamento ambiental na secretaria. A secretaria vinha aplicando o decreto 24.499 para conceder as licenças. Mas nós suspendemos esse decreto com a liminar. Acreditamos que no fim dessa ação, o decreto está fadado ao insucesso, porque legaliza obras em áreas de preservação. E isso é ilegal", resume a titular da 4ª Promotoria, Kátia Christina Lemos.

Segundo Palhares, do Ibama, se a ocupação ilegal do Paranoá continuar nesse ritmo, o lago seca em 20 anos.