Título: Hamas rejeita a paz com Israel
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Internacional, p. A14

Ao assumir a maioria das cadeiras do Parlamento, grupo mantém posição de não reconhecer o Estado judeu

A calmaria nas ruas de Ramallah contrastou, ontem, com a revolução política que acontecia na Muqata, a sede do governo palestino. O local, que até novembro de 2004 serviu de quartel-general do ex-presidente Yasser Arafat, foi palco de um acontecimento histórico: a subida ao poder do grupo fundamentalista islâmico Hamas.

Eleitos no dia 25 de janeiro, os 132 integrantes do Conselho Legislativo Palestino (Parlamento) - 74 deles do Hamas - tomaram posse em cerimônia realizada simultaneamente na Muqata, em Ramallah, e na representação do Parlamento em Gaza. Do lado de fora da Muqata, nem sombra da multidão que acompanhou o enterro de Arafat. Só algumas dezenas de mulheres protestando contra a prisão de seus entes queridos em cadeias israelenses.

Nas estradas que levam a Ramallah, no entanto, os inúmeros postos de controle israelense davam uma idéia da tensão criada pela subida do Hamas ao poder. O rigor das vistorias fez com que a maioria dos parlamentares eleitos se antecipasse, chegando a Ramallah três dias antes da posse. Já os candidatos eleitos do Hamas na Faixa de Gaza, impedidos de deixar a região pelo Exército, acabaram tendo que se contentar em participar da cerimônia através de videoconferência.

Antes da posse dos novos deputados, o presidente palestino, Mahmud Abbas, líder do partido Fatah, o grande perdedor nas eleições (45 cadeiras), fez um longo discurso recheado de mensagens tanto para o Hamas quanto para Israel.

Abbas pediu oficialmente que o Hamas forme o próximo gabinete. Mas, apesar de oferecer ajuda e cooperação, insinuou que se o grupo radical não honrar acordos firmados entre a Autoridade Palestina e Israel, irá desmantelar o governo. O presidente também exigiu o desarmamento das milícias e o fim da luta armada como política contra Israel. "Só através da diplomacia e negociação o povo palestino conseguirá sua liberdade'", afirmou Abbas. "Façamos a paz hoje, e não amanhã."

A reação do porta-voz do Hamas na Faixa de Gaza, Sami Abu Zuhri, foi imediata: "O Hamas rejeita negociações com os agentes da ocupação nas atuais circunstâncias. Voltamos a enfatizar nosso compromisso com a resistência armada como um direito natural de nosso povo", afirmou Abu Zuhri.

"Pelo que percebo, a passagem do Hamas de oposição para governo já começa truncada'", disse ao Estado o influente líder do partido Palestina Independente, o moderado Mustafá Barghuti. "Prevejo muita controvérsia à frente", completou.

Em seu discurso, o presidente Mahmud Abbas também pediu a Israel que não puna todos os palestinos pela subida do Hamas ao poder, que aconteceu democraticamente. Ele pediu à comunidade internacional, principalmente ao chamado ''quarteto de Madri" (EUA, União Européia, Rússia e ONU), que mantenha seu envolvimento no Oriente Médio, pressionando Israel a desistir de seu anunciado boicote econômico contra os palestinos.

O primeiro-ministro interino israelense, Ehud Olmert, reúne hoje seu gabinete para aprovar medidas em resposta à posse do Hamas, grupo responsável por mais de 60 ataques terroristas que causaram a morte de mais de 500 israelenses. Entre as medidas, a suspensão da transferência mensal de US$ 50 milhões em impostos palestinos recolhidos por Israel e o corte quase total de importações de produtos palestinos. Também deve proibir a entrada de trabalhadores de Gaza no país.

"Ninguém vai conseguir nos matar de fome. Nem Israel, nem os EUA e nem a Europa!", garantiu Mohamed Abu Tir, o número 2 da lista do Hamas. Ao final da cerimônia, os parlamentares escolheram o novo presidente do Parlamento, único candidato: o professor de Planejamento Urbano Abdel Aziz Duwaik, um dos líderes da ala mais moderada do Hamas. Duwaik mostrou que o Hamas tem a intenção de trazer à pauta do conflito com Israel assuntos sensíveis. "Não vamos abrir mão do direito de retorno à Palestina dos milhões de palestinos exilados pelo mundo", afirmou, sob aplausos.

O próximo passo, agora, é a escolha do próximo primeiro-ministro, substituindo o veterano Ahmed Korei (que já anunciou sua retirada da vida pública). O nome indicado é o de Ismail Haniye, número 1 da lista do Hamas nas eleições legislativas. A oficialização de Haniye no cargo, no entanto, ainda está sujeita à burocracia e a negociações interpartidárias.

Nem todos os deputados participaram da cerimônia. Treze estão presos em Israel, entre eles o líder e número 1 da lista da Fatah nas eleições, o popular Marwan Barghuti.