Título: Bolsa Família e aposentadoria rural garantem sobrevivência
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Nacional, p. A12,13

Pobreza é a mesma no sertão ou na capital: casas são precárias, sem eletricidade, água ou infra-estrutura

BELO MONTE

Nem água encanada, nem rede de esgoto, nem fossa, nem banheiro, nem TV, nem geladeira, nem eletricidade. A casa, de um cômodo e cozinha, é de pau-a-pique. Entre os seis moradores, nenhum é alfabetizado. Nas proximidades de Belo Monte (AL), à beira do Rio São Francisco, vive a família de Djalma Vicente Ferreira, de 64 anos.

O casebre fica à beira da estrada de terra que liga Batalha a Belo Monte. Djalma e sua mulher, Maria de Lourdes dos Santos, vivem com três netos, de 14, 17 e 19 anos, e Rafaela, a bisneta de 4. Na pequena sala, Maria de Lourdes explica que os quatro "dormem todos aqui mesmo, uns por cima dos outros". Na passagem da sala para a cozinha fica a cama do casal, por trás de um pano pendurado.

Maria de Lourdes recebe aposentadoria rural de R$ 300 e sua neta Cristina Ferreira Paixão, de 19, mãe de Daniela (o pai foi assassinado), ganha R$ 65 do Bolsa Família. A renda per capita do grupo é de R$ 60 por mês. As condições de vida da família são corriqueiras em Alagoas, e é fácil encontrar situações até piores, indo pela rodovia AL-220, a oeste de Arapiraca, onde começa o sertão.

No caso de Angelita da Silva e seu filho Jailson, a renda total é de R$ 50, ou R$ 25 per capita, e vem do Bolsa Família. Eles vivem num casebre à beira da AL-220, em São José da Tapera, sem acesso a nenhum serviço de infra-estrutura básica.

Angelita não sabe a idade, e traz o título de eleitor quando a pergunta é feita. Nascida em 15 de abril de 1948, ela ainda não tem direito à aposentadoria rural. Também não sabe a idade do seu "menino", que aparenta ter uns 18 anos. Como ela, Jaílson jamais freqüentou escola.

No sertão, famílias cultivam feijão, arroz, milho e palma, basicamente para subsistência. O feijão é a base da alimentação. Ovos e frango garantem proteína. Um ou outro, como Manoel Ferreira Silva e Maria José dos Santos, têm poucas cabeças de gado - no caso deles, 4. Praticamente 100% da renda que todos dizem ter vem da aposentadoria rural ou do Bolsa Família.

Apesar de estarem na bacia do São Francisco, com fartura de água mesmo na época de seca, todas estas famílias ainda precisam percorrer longas distâncias para buscar água, equilibrando latas na cabeça.

O analfabetismo é generalizado. Cristina, Josefa e Luiz Fernando, de 19, 17 e 14 anos, netos de Djalma, não conseguem ler nem palavras simples, embora a primeira diga que entende "uma coisinha de nada".

FAVELAS

A situação não melhora quando os miseráveis são urbanos. Em Maceió, onde vive 34% da população do Estado, e que tem mais de 180 favelas - segundo a pesquisadora Maria Aparecida de Oliveira Garrastazu -, a comunidade de Sururu do Capote, à beira da Lagoa de Mundaú, é um exemplo. Inteiramente de barracos de lona, papelão e compensado de madeira, a favela tem lixo por todos os cantos, e crianças descalças e bebês sem calça ou fralda brincam diretamente em cima dos detritos.

Flávia Santos da Silva mora com o marido, José Milton, de 30 anos, e os 5 filhos, um deles com 10 dias, num barraco de papelão e lona com um único cômodo. Eles têm uma pequena TV em preto e banco - gatos trouxeram energia para a favela -, mas não contam com geladeira, água encanada ou banheiro.

A água é trazida de uma tubulação onde foi improvisado um ponto de captação, no outro lado da avenida que margeia a favela. Como no sertão, na capital também ainda é na cabeça que se transporta a água.