Título: Com os piores indicadores sociais do País, Alagoas ainda regride
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Nacional, p. A12,13

Estado é o mais pobre do Brasil desde 1999 e é o único cuja renda per capita caiu todos os anos desde então

Em 1999, apenas 3 em cada 10 domicílios de Alagoas tinham esgotamento sanitário de qualquer tipo, incluindo fossas sépticas. Em 2004, aquele indicador caiu pela metade e somente 14% das residências contavam com esgoto ou fossa. Alagoas é hoje, disparado, o pior Estado nordestino em saneamento. O mais espantoso nesta evolução negativa é que ela ocorreu num período de melhora do indicador no Brasil como um todo e no conjunto dos Estados nordestinos.

O Brasil tinha 60% dos domicílios com esgotamento sanitário em 1999 e 69% em 2004. No Nordeste, no mesmo período, o porcentual subiu de 35% para 45%, ou três vezes mais do que o de Alagoas. "A gente faz as necessidades e depois leva para jogar no lixo", diz Flávia Santos da Silva, de 23 anos, analfabeta, mãe de 5 filhos, que mora num barraco na Favela Sururu do Capote, em Maceió, sintetizando as péssimas condições de higiene nas quais vive grande parte da população alagoana.

O dado sobre saneamento é o mais dramático de um conjunto de indicadores que mostra como, desde a segunda metade da década de 90, Alagoas tornou-se o Estado mais pobre do País e o pior em várias características socioeconômicas. O mais impressionante é que fez a proeza negativa de piorar enquanto quase todo o resto do Brasil melhorava. Um relatório sobre estes indicadores foi elaborado recentemente pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), no Rio. O trabalho se baseia nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Pela Pnad 2004, Alagoas é o Estado mais pobre do Brasil, com renda média mensal per capita de R$ 219, 17,6% abaixo da média nordestina e 52,6% menor do que a média brasileira. No Brasil e no Nordeste, a renda mensal per capita oscilou desde 1999, com variações ano a ano, mas ficou praticamente inalterada até 2004. Em Alagoas, o indicador caiu em todos os anos desde 1999 e hoje é 9,5% inferior ao daquela data.

ÁFRICA

"Alagoas é a nossa África e precisa ter ajuda externa, de outras unidades da Federação. O desafio institucional é fazer isso com a maior eficácia possível", diz André Urani, diretor-executivo do Iets. Para o vice-governador Luis Abílio de Sousa Neto - que está no cargo desde que o governador Ronaldo Lessa assumiu o primeiro mandato, em 1999 -, Alagoas teve duas décadas perdidas: "Temos absoluta consciência de que os nossos números continuam ruins."

Abílio atribui grande parte da deterioração às más gestões anteriores ao governo de Lessa, e especialmente ao desastre financeiro que se abateu sobre o Estado em 1997. Em julho daquele ano, o então governador Divaldo Suruagy foi forçado a renunciar, depois do caos provocado pelo atraso de nove folhas de pagamento, o que levou a Polícia Militar à rebelião.

Muitos conhecedores da história de Alagoas recente concordam que o colapso do governo Suruagy é a causa de boa parte dos problemas do Estado, mas corrente também critica Lessa por não ter se esforçado para atrair investimentos. Abílio, por sua vez, destaca avanços do atual governo, como a forte queda na desigualdade, a redução rápida no analfabetismo, apesar do nível ainda ser recorde no Brasil, e a criação de empregos formais na indústria.

A Pnad 2004 também revela que 62,5% dos alagoanos vivem abaixo da linha da pobreza, o maior porcentual entre todos os Estados. No Brasil como um todo, o número de pobres caiu de 33,9% para 31,7% entre 1999 e 2004. No Nordeste, a queda foi de 58,6% para 55,3% no mesmo período. Em Alagoas, houve aumento de 60,2% para 62,5%. No início da década de 90, Alagoas tinha a segunda menor proporção de pobres no Nordeste, só perdendo para Sergipe.

Em número de miseráveis, Alagoas é o segundo pior Estado, com 32,74% em 2004, só ganhando do Maranhão. No Brasil, a proporção de miseráveis caiu de 14,3% para 12,3 % entre 1999 e 2004, num recuo de 14%. No Nordeste, a redução foi de 9,4%, saindo de 29,6% para 26,8%. Em Alagoas, a queda foi de apenas 2,1%, de 33,4% em 1999 para 32,7% em 2004.

ANALFABETISMO

Na educação, o desempenho também é desanimador. Alagoas é o Estado com o maior índice de analfabetismo de maiores de 15 anos, 29,5% em 2004. A média nordestina é de 22,4% e a do País, de 11,2%. No analfabetismo infantil (10 a 14 anos), Alagoas também é recordista: 11,3% em 2004, em comparação com 3,6% no Brasil e 8% no Nordeste.

No sertão e nas piores favelas em Maceió é comum esbarrar em crianças na segunda série do ensino fundamental que não sabem ler. Uma é Mônica Ferreira dos Santos, filha dos lavradores Manoel Ferreira Silva e Maria José dos Santos, da área rural de Olho D'Água do Casado, cidade no oeste do Estado. Mônica tem 9 anos e cursa a segunda série. "Não sei ler não", diz ela, com naturalidade.

A Pnad revela que Alagoas tem a pior escolaridade média da população adulta entre todos os Estados, de apenas 4,2 anos, mesmo nível de 1999. No Nordeste, este indicador saiu de 4,2 para 4,9 anos, entre 1999 e 2004, e no mesmo período o Brasil avançou de 5,7 para 6,4 anos.

Também é o pior Estado na defasagem escolar média, que atingia 1,7 ano em 2004, e no porcentual de crianças com 10 a 14 anos que têm atraso escolar de 2 anos ou mais, de 29,9%. A Pnad 2004 mostra que no Nordeste aqueles indicadores eram de, respectivamente, 1,5 ano e 22,9%. No Brasil, de 1 e 12,8%.

Alagoas está abaixo da média do Nordeste nos indicadores de bens de consumo ligados à tecnologia da informação, como número de domicílios com telefone fixo, com celular e com computador - os porcentuais são de, respectivamente 20,2%, 27% e 5,5%.

A proporção de domicílios sem acesso a água encanada ficou em 30% entre 1999 e 2004. No Nordeste esse mesmo indicador encolheu de 38,6% para 28,6%, e no Brasil, de 14,5% para 11,1%. "A vida aqui é precária, a gente pega água de onde os bichos bebem", reclama Manoel Ferreira Silva, pai de Mônica, que mora com a família num casebre sem saneamento nem água encanada.