Título: Estratégia mira pobres e classe média
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Nacional, p. A5

Publicidade será mais universal e vai vender realizações que signifiquem benefícios imediatos para população

Em outubro do ano passado, quando começou a planejar a recuperação de sua imagem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ouviu de João Santana, seu novo estrategista, que o primeiro alvo a conquistar seria o eleitorado que sempre foi dele e, por isso, não poderia ser perdido - os setores mais pobres da população, que estavam escapando de seu controle. Feito esse resgate, o governo vai tirar da cartola, mais à frente, uma redução dos tributos como apelo para iniciar a conquista da classe média.

Desde outubro, quando começou a etapa da recuperação de imagem, o governo gastou R$ 40 milhões em publicidade oficial; até 30 de junho, na segunda etapa, o governo tem a seu dispor R$ 156 milhões, que vão irrigar novas campanhas para consolidar a reconquista dos segmentos mais pobres e invadir o jardim da classe média. A menina-dos-olhos agora será a educação: entre as novas estrelas, os programas ProUni e Fundeb, a expansão do ensino universitário e o aumento do número de escolas técnicas.

As campanhas que estão a caminho serão mais universais na mensagem e, segundo os estrategistas do governo, vão atingir em cheio o coração e as mentes da classe média, setores em que Lula e o governo ainda têm avaliação negativa muito alta. A nova estratégia pretende mostrar realizações efetivas, palpáveis, que traduzam benefícios imediatos para o povo.

A assessoria de Lula convenceu-se de que um fator essencial para garantir a recuperação da imagem foi a nova estratégia de regionalizar a publicidade oficial. A regionalização, segundo a avaliação dos estrategistas do governo, potencializou os efeitos de marketing, enquadrou os fatos anunciados numa percepção regional e otimizou a aplicação de verbas. Assessores garantem que a estratégia foi uma idéia de Lula, que nunca conseguira convencer Duda Mendonça a adotá-la.

NOVOS TRUNFOS

A grande campanha publicitária moldada para empurrar para cima a popularidade de Lula num ano eleitoral seria a que vai anunciar a autonomia brasileira de petróleo, que será feita para a Petrobrás pela agência de Duda Mendonça. Originalmente, no estilo Duda, ela seria tocada sob inspiração grandiloqüente de uma antiga frase-bordão do presidente - "nunca, na História deste país" - e ganharia cores verde-amarelas com fortes debruns vermelhos.

Mas, dentro do palácio, os ministros Luiz Dulci e Dilma Rousseff abriram uma trincheira contra a exploração eleitoral de um tema tão delicado, que poderia ocasionar polêmicas prolongadas e indesejáveis - porque, por óbvio, a auto-suficiência não é obra isolada do governo Lula e seria fácil desmascarar a abordagem indevida. No momento, a campanha está travada.

Mas Lula terá outros empurrões que poderão lhe dar a aura de super-herói. Um deles será a primeira viagem espacial de um astronauta brasileiro, feito que depois se desdobrará numa eufórica recepção ao tenente-coronel Marcos César Pontes, de forma a "colar" no presidente os méritos da missão.

Outro, que deverá ser amplamente usado em tom de bravata, para ecoar como uma eficaz mensagem ao eleitorado mais pobre e menos instruído como uma conquista a ser confundida com a independência do Brasil, é o pagamento da dívida ao FMI. Mas o grande trunfo de Lula seria a eventual vitória da Seleção Brasileira no campeonato mundial de futebol. Se o hexacampeonato vier, todo o rito de receber os jogadores e, com eles, erguer a taça valerá preciosos votos.

LULA E O PT

Mas, se a recuperação da imagem alivia o presidente, coloca uma nova questão: se Lula irá relativamente bem nas eleições, o que vai acontecer com o PT? O presidente e seus assessores sabem que o partido colherá resultados bem piores e é por isso que, desde o início da crise do mensalão, Lula começou a se descolar do partido. Assim, a estratégia central será elaborada para Lula; o PT virá a reboque. Por isso, o presidente decidiu que só anunciará sua candidatura em junho.

Assim, ele impõe um calendário em que só tomará suas próprias decisões depois que o partido tiver tomado todas as dele. Desde outubro, quando iniciou o processo de descolamento do PT, Lula montou seu receituário pessoal: tudo o que ele não quer é a tutela do PT. Ele sabe que o PT precisa mais dele do que ele do partido. E, com esse cenário, é ele quem dará as cartas sobre alianças eleitorais. Seguro, já consegue ignorar provocações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que antigamente o fariam desesperar-se.

Se Lula ganhar e o PT eleger uma bancada pequena, o presidente estará livre para reconstruir a base política que vai apoiar um eventual segundo governo. Da crise para cá, Lula descobriu que é auto-sustentável politicamente e sua sobrevivência como maior liderança política da esquerda brasileira independe do PT.