Título: Sanção de Israel contra palestinos viola acordos
Autor: Amira Hass
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2006, Internacional, p. A12

Evidentemente que é difícil retirar o adesivo colado na janela da frente. É por isso que, quando um novo carro vindo da Alemanha, Coréia do Sul e Estados Unidos circula nas ruas apinhadas da Faixa de Gaza ou Ramallah, geralmente tem uma grande etiqueta com grossas letras em hebraico, em vermelho, formando a palavra "checado" anexada ao pára-brisa por vários meses.

A etiqueta é uma marca das verificações especiais da alfândega e da segurança conduzidas nos portos marítimos israelenses de Ashdod ou Haifa, que servem como entradas principais para a maioria das mercadorias estrangeiras destinadas aos territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza.

Os palestinos importam todo tipo de produtos: bombas d'água da Suécia, máquinas de terraplenagem e caixas de cereais dos Estados Unidos, brinquedos de plástico da China, lavadoras de roupa da França e queijo da Dinamarca - e virtualmente todos chegam a seu destino somente depois de terem passado pelas autoridades portuárias israelenses e pelas verificações de segurança israelenses.

Nos portos, importadores palestinos são obrigados a pagar às autoridades israelenses o imposto de valor agregado de 17%, assim como as taxas alfandegárias devidas sobre quaisquer mercadorias destinadas à Cisjordânia e Faixa de Gaza. Essas transações (bem como as transações diretas dos palestinos com empresas e comerciantes israelenses) renderam no ano passado receitas de US$ 711 milhões.

Mas de quem são essas receitas?

A julgar pelas ações do gabinete de governo israelense no domingo, o dinheiro pertence a Israel. O gabinete anunciou que vai reter as receitas tributárias e alfandegárias palestinas ao menos pelo momento, como uma reação à vitória eleitoral do Hamas. E até que o dinheiro seja liberado - se é que vai ser - o tesouro israelense ganhará os juros.

Não deveria funcionar dessa maneira. Segundo os acordos de paz de Oslo (e segundo quaisquer padrões de bom senso e justiça básica), as receitas devem servir ao povo que compra as mercadorias. Essas arrecadações tributárias não são doações de boa vontade de Israel, nem são caridade.

Isso não é o mesmo que, digamos, dinheiro de ajuda externa holandesa, doado livremente pelo povo holandês e que pode ser retido se os holandeses resolverem parar de doá-lo. Essas são arrecadações tributárias devidas à população dos territórios aos quais as mercadorias são destinadas, e os israelenses não têm direito de retê-las.

Desde 1994, essas receitas, transferidas mensalmente do Ministério das Finanças de Israel representam uma parcela crucial do orçamento da Autoridade Palestina.

Quando, em 2001, o governo de Israel parou por um breve período de tempo de transferir as receitas, a pressão da União Européia e de vários países - incluindo os Estados Unidos - obrigou Israel a reverter sua decisão. Infelizmente, após a vitória do Hamas nas eleições de janeiro, tal pressão parece improvável.

No ano passado, os US$ 711 milhões constituíram quase dois terços das receitas da Autoridade Palestina. (O que foi arrecadado em imposto de renda e imposto sobre vendas dentro da Cisjordânia e da Faixa de Gaza perfez apenas US$ 383 milhões.)

Mesmo com todas essas receitas, ainda existe uma carência de US$ 800 milhões no orçamento de US$ 1,9 bilhão da Autoridade Palestina.

Por que a arrecadação doméstica é tão baixa? Porque a economia está em constante recessão e "opera bem abaixo de seu potencial", segundo o Banco Mundial.

O que debilita e aleija a economia palestina são as pesadas e sistemáticas restrições de Israel ao movimento dentro dos territórios ocupados - centenas de bloqueios rodoviários e postos de controle militares que retardam, prolongam e sabotam a atividade econômica normal e, conseqüentemente, receitas tributárias em potencial.

A Autoridade Palestina não tem meios de compensar a "perda" - ou talvez fosse mais exato dizer o "roubo" - das receitas tributárias.

Por exemplo, faz três meses que seu Ministério da Saúde não consegue pagar fornecedores de alimentação hospitalar, equipamentos e remédios e está com uma dívida de US$ 22 milhões. Agora, com o seqüestro por Israel de mais ou menos US$ 50 milhões por mês, o ministério não conseguirá pagar os salários de seus 13 mil funcionários. O mesmo se aplica aos aproximadamente 40 mil funcionários do Ministério da Educação.

Nos territórios palestinos, 35% dos habitantes com idade entre 20 e 24 anos estavam desempregados no terceiro trimestre de 2005.

Cerca de 43% vivem abaixo da linha de pobreza conforme os parâmetros do Banco Mundial e 15%, em profunda miséria - o que significa, de acordo com o Banco Mundial, que eles são incapazes de atender suas necessidades de subsistência.

Tirando suas magras - mas indubitavelmente suas - receitas, Israel não está punindo o Hamas ou convencendo-o a mudar suas posições. Isso simplesmente dá aos palestinos mais um motivo para considerar Israel uma potência de ocupação agressiva e repressora.

*Amira Hass é correspondente em Ramallah do jornal israelense 'Haaretz'