Título: Câmbio desfavorável freia os investimentos de multinacionais
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2006, Economia & Negócios, p. B4

Câmbio desfavorável freia os investimentos de multinacionais Aumento dos custos em reais e desvalorização do dólar abalam as 'plataformas de exportação'

Sem alarde, as multinacionais presentes no País iniciaram a redução dos investimentos em bases de exportação, indica levantamento em vários setores feito pelo Estado. Para o mercado interno, os projetos estão mantidos, mas a situação nas chamadas "plataformas de exportação" começa a ficar crítica. O forte aumento dos custos em reais, agravado pelas sucessivas desvalorizações do dólar, afetou em cheio a rentabilidade da indústria exportadora. A repetição deste cenário esfriou o interesse em investir para exportar, em alguns casos já há desindustrialização. A ordem dos acionistas é reduzir a exposição no País.

A Bunge, a maior do complexo soja em operação no Brasil, acaba de anunciar a suspensão de quase US$ 1 bilhão em investimento para aumento de capacidade, além de fechar nove fábricas. A ADM, concorrente da Bunge, também fechou duas unidades industriais e reduziu em 30% a capacidade de processamento de soja no País. Os grupos Saint-Gobain e Rhodia não fecharam fábricas, mas frearam novos investimentos.

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), alerta que já há sinais de retração de investimentos das múltis no indicador do Banco Central que apura o Investimento Estrangeiro Direto (IED). Em dois setores importantes da indústria (metalurgia básica e produtos químicos, por exemplo) houve forte redução de investimentos em 2005. No primeiro caso, o ingresso de capital caiu 62%, foi de US$ 817 milhões para US$ 310 milhões. Em produtos químicos, houve um corte de 44%, de US$ 1,363 bilhão em 2004 para US$ 764 milhões no ano passado.

O ingresso global de divisas para o setor industrial em 2005 cresceu 12,6% e atingiu US$ 6,52 bilhões. "No geral, houve melhora. Mas já é possível verificar a redução dos investimentos em setores exportadores e isso só pode ser um efeito da situação cambial", avalia Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi.

O governo está preocupado com a perda de competitividade na indústria exportadora. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, chegou a falar em "mudanças" na área cambial na última terça-feira. Enquanto isso, o dólar cai.

Sexta-feira, a moeda americana fechou cotada em R$ 2,125. Neste ano, a valorização do real já supera os 9%, o que torna os custos em reais um inimigo cada dia maior. Não é uma situação nova, mas o problema tem se agravado. Em 2005, a valorização acumulada foi de 16,75%. "A situação equivale a um brutal corte do Imposto de Importação e ao mesmo tempo uma elevação gigantesca do Imposto de Exportação", ironiza José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A dor de cabeça dos executivos das subsidiárias exportadoras neste momento varia conforme o mercado. É mais intensa entre os diretores de empresas que produzem semimanufaturados e manufaturados com forte dependência de custos internos baixo.

"Taxa de câmbio para produtos industrializados é fator muito importante. O Brasil começará a enxergar agora os reflexos da política cambial", pondera Daniela Prates, pesquisadora do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp.

De acordo com a pesquisadora, desde o ano passado as exportações de manufaturados evoluíram pouco. Passaram de US$ 262 milhões para US$ 273 milhões. As de semimanufaturados passaram de US$ 62 milhões para US$ 63 milhões por mês. "Os dados mostram que as exportações de industrializados começaram a andar de lado", disse.

CORTE DE CUSTO

Com 30% do faturamento atrelado à exportação, a Divisão de Transmissões da Eaton no Brasil já recebeu um pedido da montadora: terá mais uma vez de cortar custos para manter o fornecimento.

"A indústria automotiva já pediu um corte de até 10% no custo", diz Carlos Alberto Briganti, vice-presidente da Eaton para América Latina. Para Briganti, há limites para novos ganhos de produtividade na cadeia automotiva, um setor que deixou de ser inflado em custos há muito tempo.

Segundo o executivo, o desafio posto à corporação agora não é o de apenas manter os contratos. A elevação de custos provocada pela valorização do real reduz a competitividade na disputa por novos contratos. "É o futuro o problema", diz.