Título: Acordo automotivo será prorrogado hoje
Autor: Renata Veríssimo
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2006, Economia & Negócios, p. B8

A prorrogação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina pode ser acertada ainda hoje, após a reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Ontem o fechamento do texto final do acordo dependia apenas de um item que seria discutido à noite pelos ministros da Fazenda, Antônio Palocci, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan. Mas os ministros decidiram levar o tema para a Camex que tem reunião marcada para hoje à tarde.

A Receita Federal quer cobrar das montadoras e fabricantes de autopeças uma diferença do imposto de importação de peças que ela acredita que as empresas deixaram indevidamente de recolher nos últimos anos. O Ministério do Desenvolvimento tenta negociar um perdão para a dívida, que pode atingir até R$ 9 bilhões, dentro do novo acordo automotivo.

O argumento da equipe de Furlan é que muitas pequenas empresas de autopeças terão de fechar as portas caso sejam obrigadas a pagar os atrasados. "O que posso dizer é que a dívida foi acidental", afirmou Furlan. No Ministério do Desenvolvimento, no entanto, eram consideradas pequenas as chances de a Fazenda concordar com o perdão da dívida.

Mas uma decisão já estava tomada ontem: o acordo automotivo será prorrogado até final de junho com ou sem a cláusula que trata sobre o perdão da dívida dos fabricantes de autopeças. O Ministério do Desenvolvimento garante que não irá prejudicar um setor inteiro adiando a assinatura do acordo.

A posição de Furlan é tentar conseguir o aval da Fazenda e transformar o perdão da dívida em uma decisão de governo. O Ministério do Desenvolvimento não quer assumir o ônus sozinho porque considera que o erro foi da Receita Federal. Furlan também já havia decidido ontem que, se a resposta de Palocci fosse negativa, a sua equipe sairia da negociações com as montadores e empresas de autopeças e deixaria o caso apenas com a Receita Federal.

Os negociadores brasileiros garantem que essa discussão com as montadoras não prejudica a prorrogação do acordo com a Argentina.

Como não houve consenso nos pontos considerados mais importantes, ele será estendido por mais quatro meses, até que seja fechada uma política automotiva comum definitiva a vigorar a partir de julho.

Além da resistência da Receita Federal, um eventual perdão da dívida também pode esbarrar no Tribunal de Contas da União (TCU), que desde o ano passado tem recomendado ao Ministério da Fazenda que cobre os valores devidos pelas montadoras e fabricantes de autopeças. O ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo, promete colocar o assunto em votação ainda neste semestre. O relatório deve determinar que a Receita cobre as empresas.

ACERTOS

O caso começou em 2001, quando o Congresso aprovou uma lei que dava um abatimento de 40% na importação de autopeças de fora do Mercosul. Mas pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e do TCU afirmam que a lei deixou de vigorar no ano seguinte com a publicação do decreto presidencial que referendou o acordo automotivo assinado com a Argentina e estabeleceu o aumento progressivo do imposto de importação.

No ano passado, o TCU enviou um ofício à Receita questionando o fato de as empresas ainda estarem recebendo o benefício fiscal. Técnicos do TCU afirmam que a Receita só decidiu cobrar os valores devidos depois que o Tribunal detectou a falha. A Receita informou ao TCU que irá fazer uma auditoria nas empresas para levantar o valor do imposto não recolhido.

O TCU calcula algo em torno de R$ 2 bilhões, mas este valor pode ser muito maior se a Receita também cobrar os tributos devidos pelas empresas por ultrapassar o chamado "flex" na importação de peças e automóveis da Argentina. Por este mecanismo, em 2005, para cada US$ 2,6 exportado para a Argentina, US$ 1 deveria ser importado pelo Brasil daquele país. Os valores acima do estabelecido pelo flex, que varia ano a ano, teriam que ser tributados.