Título: OMC descarta proposta de Lula
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2006, Economia & Negócios, p. B8

A Organização Mundial do Comércio (OMC) praticamente enterrou a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de organização de uma reunião de cúpula de chefes de Estado para desbloquear as negociações da Rodada Doha. Numa conversa com internautas de todo o mundo promovida ontem, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, afirmou que esse não seria o momento adequado para uma cúpula, mas admitiu que o Brasil, a Índia e a China serão "os elefantes do comércio mundial no século 21".

A proposta de Lula foi feita no fim de 2005, quando a reunião ministerial da OMC em Hong Kong estava sob risco de fracasso diante da falta de entendimento entre os países. Lula ligou para o premiê inglês, Tony Blair, para pedir ajuda na organização do evento. Falou também com o presidente americano, George W. Bush. "Cúpulas desse estilo, cujo formato levaria um bom tempo para ser definido, podem ser úteis se há falta de energia política para negociar. Não acredito que esse seja o caso no momento. O que precisamos fazer é negociar números e textos, o que chefes de Estado não farão de qualquer maneira", disse Lamy.

O diretor da OMC não é o primeiro a descartar a idéia de Lula. Há uma semana, em Moscou, os ministros das Finanças do G-8 (grupo dos países mais ricos do mundo) não aceitaram a proposta do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de incluir na declaração final do encontro uma referência à necessidade da cúpula. Thierry Bretton, ministro das Finanças da França, chegou a dizer que a Europa não tinha posição fechada sobre a utilidade dessa cúpula.

Na OMC, Lamy também virou as costas a outra proposta do presidente brasileiro: a de estabelecer uma votação para as decisões sobre as negociações. Na semana passada, na África do Sul, Lula defendeu decisões por maioria na OMC, e não por consenso, como é a tradição. O chanceler Celso Amorim disse que Lula só desabafou diante da dificuldade de fazer com que os países ricos aceitassem uma liberalização no setor agrícola.

Lamy, porém, deixou claro que esse não é o momento de falar sobre uma revisão de regras de votação. "Chegar a um consenso é difícil, mas é também a forma mais democrática de tomar decisões", afirmou. Para ele, uma mudança obrigaria uma nova negociação e seus princípios teriam de ser acordados antes pelos governos. "Não acredito que isso ocorrerá agora. O foco é e precisa continuar nas negociações e na conclusão da Rodada Doha."

Apesar de rejeitar ambas as propostas de Lula, Lamy deixou claro que não acredita que as eleições no Brasil terão um impacto negativo no compromisso do País nas negociações da OMC.

ELEFANTES

Para Lamy, países como o Brasil, China e Índia vão abocanhar cada vez mais uma parcela do comércio mundial. "A Europa e os Estados Unidos são hoje os elefantes no comércio mundial. Mas China, Índia, Brasil e África do Sul serão os elefantes do século 21. Não há como haver um desenvolvimento harmonioso do comércio e de relações econômicas sem a cooperação estreita entre esses países e com o resto da comunidade internacional."

Já sobre as negociações, Lamy acredita que a OMC conseguirá cumprir o prazo de abril para chegar a um acordo preliminar sobre como realizar os cortes tarifários para produtos agrícolas e industriais. Para ele, as ofertas de redução de subsídios dos países ricos beneficiarão as economias em desenvolvimento. O Brasil, porém, não vê a situação da mesma forma e quer mais concessões.

Lamy acredita que o acordo será obtido quando os europeus se mostrarem flexíveis sobre suas tarifas agrícolas, quando os americanos aceitarem reduzir seus subsídios agrícolas e quando Brasil, Índia, China e África do Sul reconhecerem que precisam cortar suas barreiras para bens industriais.