Título: Dirceu: PMDB é chave da reeleição
Autor: Ricardo Noblat
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2006, Nacional, p. A11

Para ex-ministro, partido desistirá de ter candidato próprio se popularidade de Lula continuar crescendo

"A chave da próxima eleição presidencial é o PMDB. Se Lula e o PT tiverem cabeça, se aliarão ao PMDB para vencer e governar", aconselha o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, de volta a Brasília e à política. Durante dois dias, ele despachou com ministros, senadores, deputados e representantes de movimentos sociais. A pedido do PT local, fez uma palestra de três horas para seus militantes na noite de quarta-feira. Na manhã de ontem, embarcou para o Rio. Passará o fim de semana em São Paulo ocupado com mais reuniões.

"O PT tem dois bons nomes para o governo de São Paulo, a Marta Suplicy e o Aloizio Mercadante. Mas eu, pessoalmente, estou engajado na campanha da Marta", revela descontraído, enquanto desfruta um charuto cubano refestelado em uma mesa de canto no restaurante Piantella. O PT não governa Estados importantes. É por isso que Dirceu defende a idéia de o PT apoiar candidatos do PMDB aos governos de nove Estados em troca do apoio do partido à reeleição de Lula.

"Podemos apoiar candidatos do PMDB em Estados como Amazonas, Pará, Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo Goiás, Paraná e Santa Catarina, pelo menos." Ele identifica duas fortes razões para que o PT se junte ao PMDB. A primeira: "Nenhum partido elegerá mais de cem deputados federais." Nas contas do ex-ministro, o PT na Câmara, que soma 90 deputados, deverá ficar 20% menor. Portanto, "para governar será preciso fazer alianças, mas alianças de verdade". Segunda razão: "O DNA do PMDB é desenvolvimentista e nacionalista, muito parecido com o nosso", considera Dirceu.

Ele aposta que o PMDB não realizará as prévias marcadas para escolher em 19 de março seu candidato à sucessão de Lula. Mas se realizar, crê que mesmo assim, e até junho, o PMDB anunciará seu apoio a Lula. "Só dependerá de duas coisas: de Lula continuar crescendo nas pesquisas de intenção de voto e da competência dele e do PT para fechar a aliança", avalia.

No momento, o ex-ministro calcula que o eleitorado se distribua mais ou menos assim: 40% inclinados a votar em Lula e 40% em José Serra. Ele parece convencido de que a eleição "será decidida no primeiro turno". Não está tão certo, porém, de que o rival de Lula será o prefeito de São Paulo. "As elites preferem Geraldo Alckmin. Elas temem Serra. E até serão capazes de preferir Lula, porque já o conhecem e sabem que ele é um caminho seguro", especula.

CONSERVADOR

Apesar de ser de esquerda, Lula "é um político por natureza conservador", testemunha Dirceu. "Tem muitos radicais no PT. Mas Lula, não. Ele é conservador. E entre uma opção com risco e outra segura, ele sempre ficará com a segunda. É o jeito dele. Tem a ver com a origem social dele", admite.

De certa forma, até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está empenhado em "ajudar a reeleição de Lula", confere o ex-ministro. "O que ele anda dizendo contra o governo só beneficia Lula", ironiza. "O ex-presidente tem criticado o que o governo fez de melhor: o Bolsa-Família, o Fome Zero e até a operação tapa-buraco. Onde está escrito que os brasileiros querem a volta do tucanato? Até o Serra deve estar preocupado com o que diz Fernando Henrique."

Ao contrário do que supõe o PSDB, avalia Dirceu, as denúncias de corrupção que atingiram o governo não pesarão tanto na campanha. "Tem corrupção no governo? Tem, como em todo governo. Se eu quiser, amanhã mando prender 50 pessoas. Mas a corrupção não é uma política de governo e não é estimulada ou tolerada por ele", afirma.

Lula faz o melhor governo desde o fim do regime militar em 1985, imagina Dirceu. "O dólar barato empurra a inflação para baixo, aumenta a renda do trabalhador e barateia o preço da cesta básica", explica. "O povo sente tudo isso no próprio bolso. É por isso que Lula continua popular."

Segundo ele, a situação do País poderia ser ainda melhor se Lula não tivesse avalizado uma política econômica tão ortodoxa como a do ministro Antonio Palocci. "No mundo, só o Brasil foi capaz de combinar juros altos com um superávit primário tão elevado", estoca Dirceu. "Por causa disso, o governo não investiu em tecnologia e na recuperação das estradas, só para citar duas coisas. É uma vergonha que depois de oito anos de Fernando Henrique e de três de Lula as estradas ainda estejam esburacadas. Os responsáveis por isso deveriam ser fuzilados. Depois a gente comeria uma feijoada e esqueceria o assunto."

Enquanto foi ministro, em diversas ocasiões a opinião da área econômica do governo acabou derrotada, conta Dirceu. Lula então mandava liberar dinheiro para obras e programas. E o que acontecia? "Nada. O Tesouro não cumpria a programação de desembolso autorizada pelo próprio presidente", acusa. Foi por isso que ele colecionou tantos atritos com Palocci, embora faça questão de dizer que continua seu amigo. "Quando eu estava para ser cassado, ninguém foi mais solidário comigo do que Palocci", reconhece Dirceu.

O governo paga o preço por dois formidáveis erros, constata: subestimou "a força da direita que pressionou a mídia contra Lula e o PT"; e deixou o PT ao desamparo quando escalou 40 dos seus 50 principais dirigentes para cargos na administração pública. "Eu mesmo deveria ter ficado à frente do PT. Assim poderia tê-lo levado a se opor a tudo com o que não concordávamos. Eu tinha o partido na mão. Poderia ter organizado uma resistência", analisa o ex-guerrilheiro.

Ao dar a conversa por terminada, o ex-chefe da Casa Civil apaga o charuto que fumou pela metade, informa ao dono do restaurante que em breve reforçará o estoque de puros que mantém ali, despede-se de meia dúzia de amigos e arremata com ênfase: "Vejam que eu só falei bem de Lula. Só falei bem."