Título: Viva Chávez
Autor: Denis Lerrer Rosenfield
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

O carnaval carioca de 2006 ficará na história, se não do Brasil, pelo menos da Venezuela. Chávez, com sua habilidade costumeira, entrou candidato e saiu vitorioso na Marquês de Sapucaí. Com torneiras jorrando petrodólares e poucas preocupações com a renda e o emprego dos marginalizados de seu país, o projeto do ditador decidiu botar dinheiro numa escola de samba. Do apoio a Kirchner passou, agora, a disputar com Lula a liderança da América Latina, preâmbulo à sua liderança mundial nas esquerdas autoritárias e totalitárias. Enquanto o PT nada em recursos dos bancos, que pagam as contas do partido, a companhia de petróleo da Venezuela parte para uma conquista popular. Se nem a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) agüenta mais tanta promiscuidade financeira, a labuta do ocupante do Palácio do Planalto está cada vez mais difícil. Resta a Lula candidatar-se a presidente de uma grande instituição financeira internacional, reivindicando, por serviços prestados, tal honraria. Chávez, talvez por solidariedade passada, poderia estar presente à sua posse, não sem antes fazer um discurso torrencial contra a dívida externa do Terceiro Mundo e contra o seu inimigo do coração: George W. Bush. Um discurso sem uma referência grosseira ao presidente americano não é, na verdade, um discurso, mas um simples amontoado de palavras.

A bandeira venezuelana tomou o lugar da brasileira no desfile carioca. Não se pode, contudo, dizer que tudo isso é meramente carnaval, um namorico qualquer, como sucede freqüentemente em tais eventos, mas se trata de um caso sério, o de esposar a bandeira da ideologia chavista, cujo esquerdismo e populismo calam fundo em setores intelectuais e partidários brasileiros. "Soy loco por ti, América" tornou-se literalmente uma questão de loucos, perdidos num carnaval ideológico em que idéias escasseiam e propostas esdrúxulas ganham o glamour do samba. A passarela das idéias fica cada vez mais confusa. Chávez deve estar rindo sozinho, e com razão! A Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), que financiou oficialmente a escola de samba Unidos de Vila Isabel, fez um golaço. A Petrobrás contenta-se com o aumento do preço da gasolina. Bush deve estar com uma inveja louca! E Lula também!

Nosso presidente deve, doravante, controlar suas declarações de apoio a Chávez, pois, se já havia "excesso de democracia" na Venezuela, agora há "excesso de popularidade" de seu presidente. Há excessos e excessos, mas esse último é intolerável. Só falta a seleção venezuelana ganhar da brasileira em pleno Maracanã. Lula resistiu ao "impeachment", mas isso seria, literalmente, demais. A única saída seria a renúncia. A esquerda do PT, por sua vez, faria um carnaval suplementar para comemorar, elegendo Chávez presidente honorário do Brasil. Restaria ao nosso presidente um último vôo no AeroLula para uma viagem internacional a Paris, tendo como única preocupação conseguir um pouco de popularidade internacional via taxação de passagens internacionais. Se não consegue resolver o problema da pobreza no Brasil, não custa nada candidatar-se a líder dos países africanos, que, aliás, rechaçam esse tipo de ajuda.

Pior do que o estado de tristeza e decepção de Lula, deve ser o de Bush. O presidente americano deve estar inconformado, sem saber o que fazer. Nessa altura dos acontecimentos, Bin Laden deve ser a sua última preocupação. Perdido nas montanhas do Paquistão e do Afeganistão, ele não tem a visibilidade de uma escola de samba vitoriosa no carnaval carioca. Preocupado tão-somente em assassinar, o líder do terrorismo mundial não se deu ainda conta das enormes virtualidades propagandísticas de uma festa pagã. Preso em seu fanatismo religioso, enredado em questões teocráticas, ele não sabe como agir em rituais orgiásticos, plenos de sensibilidade. Pelo menos nesse quesito, Bush pode, por enquanto, dormir tranqüilo. Entretanto Chávez, esse Chávez, não cessa de lhe causar problemas. Conquista um troféu brasileiro da maior importância, colocando-se como passista-mor do esquerdismo latino-americano.

Num momento de pausa em seus afazeres nacionais e internacionais, chegou a cogitar de uma operação de conquista dos corações brasileiros. Pediria apoio a uma grande companhia de petróleo americano que, certamente, por serviços prestados, lhe daria uma enorme quantidade de dólares para investir numa escola de samba. Milhões de dólares irrigariam o Rio. Laura saberia compreender esse seu arroubo pagão em meio a mulatas. Ele seria mais ousado do que Chávez, pois compareceria pessoalmente, bebendo, dançando e namorando - ou ficando. Foi, no entanto, desaconselhado por seus assessores. Estes ficaram com medo de que se desencadeasse uma grande operação de rejeição aos EUA. As alas mais radicais do governo brasileiro e do seu espectro partidário gritariam contra o "imperialismo" americano, contra o poder do "capital", criticando acerbamente o que seria considerado como uma "ingerência interna" nos assuntos brasileiros. Mas pesou fortemente na decisão do presidente americano não chatear o seu grande amigo Lula.

Com a inveja tomando conta dele, completamente incontrolável, Bush teria pego pessoalmente o telefone para uma chamada internacional. Sozinho, não tendo com quem consolar-se, ligou para Lula. Nessa altura do campeonato, nem Laura poderia ajudá-lo. Quando o telefone soou no Palácio do Planalto, Lula, de madrugada, com insônia, sabia quem o chamava. Só poderia ser o seu "companheiro" Bush, solidário com suas agruras e capaz de entendê-lo neste momento extremamente difícil. No fundo, ele sempre desconfiou de Chávez, suspeitava de que ele queria tomar o seu lugar, enquanto Bush sempre foi fraterno. Unidos, poderão eles, agora, armar uma grande operação anti-Chávez. Questão de honra e, sobretudo, de auto-estima, como costuma dizer o nosso presidente.

Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com doutorado de Estado em Filosofia pela Universidade de Paris, é autor, entre outras obras, de Hegel (Jorge Zahar Editor, Coleção Passo a Passo) e editor da revista Filosofia Política, da mesma editora. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br