Título: Bush, o melhor amigo dos aiatolás iranianos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2006, Internacional, p. A11

The New York Times*

No ritmo que o presidente Bush caminha, o Irã será uma superpotência mundial logo, logo. Apesar de toda a retórica do "eixo do mal" vinda da Casa Branca, a realidade é que o governo Bush fez mais para dar poder ao Irã do que o mais ambicioso aiatolá ousaria imaginar.

Teerã vai olhar para os anos Bush como uma era de ouro cheia de incentivos dos Estados Unidos, sua improvável aliada.

Durante o período anterior à invasão do Iraque, o presidente verbalizou a idéia de que o Irã e o Iraque eram ameaças à segurança americana. Mas os conselheiros, dispostos a levar a cabo o tão acalentado sonho de derrubar Saddam Hussein, não pensaram um segundo sequer no que poderia acontecer se os planos não conduzissem à unificada e pacífica democracia pró-ocidental que almejavam.

A resposta, no entanto, parece ser evidente. Um convulsionado país dividido no qual a maioria xiita do sul rico em petróleo tem muito mais em comum com os xiitas iranianos do que os sunitas com quem precisam formar um governo iraquiano. Washington agora ficou perigosamente dependente da boa vontade e do comportamento construtivo dos partidos fundamentalistas xiitas que o Irã abrigou, ajudou e armou durante os anos em que Saddam Hussein estava no poder.

Nas últimas semanas, nem boa vontade nem comportamento construtivo foram especialmente evidentes e se o Irã decidir causar mais problemas para afastar pressões diplomáticas sobre o programa nuclear, pode muito bem fazê-lo. Há hoje um risco real de que o Iraque, em vez de se tornar um posto avançado de democracia secular que desafia os ditadores fanáticos da república islâmica, pode se tornar uma teocracia fundamentalista alinhada com o Irã e desafiar os regimes seculares árabes da região.

Avancemos para o acordo nuclear de quinta-feira com a Índia, no qual o presidente Bush concordou em dividir tecnologia nuclear civil com a Índia apesar desse país contar com programas de armas nucleares e se recusar em assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Essa seria uma péssima idéia em qualquer momento, recompensar a Índia por fazer pouco do entendimento internacional básico que desencorajou com sucesso outros países, da Coréia do Sul à Arábia Saudita, a embarcar em seus próprios esforços de construir armas nucleares. Mas também mina tentativas de interferir no Irã, cujo programa nuclear está progressivamente mais rápido e deixa ambos seus vizinhos e o Ocidente nervosos.

O acordo com a Índia é exatamente a mensagem errada a ser mandada agora, poucos dias antes de Washington e seus aliados europeus pedirem à Agência Internacional de Energia Atômica para levar o caso do Irã ao Conselho de Segurança da ONU para que se tomem as medidas cabíveis. As expectativas do Irã de impedir isso dependem de convencer o resto do mundo de que o Ocidente é culpado de usar dois pesos e duas medidas nas questões nucleares. Bush pode também amarrar uma bela faixa vermelha no seu acordo nuclear com a Índia e mandá-la de presente para Teerã.

*Esse texto foi publicado como editorial do New York Times