Título: 'Fui demitido por discordar do diretor da FGV publicamente'
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2006, Vida&, p. A15

As 16 demissões de professores em fevereiro na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) da Fundação Getulio Vargas (FGV) foram o sinal de alerta. A 17ª, na véspera de carnaval, levou alunos às ruas em protesto e tornou públicos os problemas e discussões atuais de uma das mais conceituadas instituições de ensino do País. Muito se fala em disputa de poder, o que esbarraria no controle da unidade paulista e dos lucrativos cursos de especialização para executivos com a marca FGV. A instituição é sediada no Rio e tem crescido: são outras sete escolas de graduação e pós, com cursos licenciados em 80 cidades brasileiras.

"Ex-alunos da escola têm orgulho de dizer que estudaram na GV, mas essas franquias empobrecem a marca. Qual o valor de dizer que tem um diploma da FGV se há um monte de espelunca dizendo que forma aluno FGV?", questiona o 17º demitido, ex-diretor da escola e ex-secretário de transportes de Mário Covas, Michael Paul Zeitlin. Aos 69 anos, ele diz que não fazia parte da lista inicial de dispensas porque já havia acordado com a escola sua saída para 2007, depois de quase 40 anos na instituição. "Fui demitido porque enfrentei o diretor publicamente e disse que o caminho que a escola estava tomando ia acabar mal."

Para ele, há uma "nova cultura na escola de que aquilo é uma empresa, chefe é chefe, uns mandam e outros obedecem", o que deve prejudicar o ensino. Zeitlin pede apoio dos empresários paulistas, lembrando o grupo que reagiu há cerca de 30 anos a uma tentativa de fechar o curso em São Paulo. " A escola é um ativo público, pode ser de uma fundação privada, mas pertence à sociedade. " Veja a seguir trechos da entrevista concedida ao Estado.

Existe crise financeira na Escola de Administração da FGV?

A escola sempre foi superavitária. Quando eu fui diretor, tinha desempenho superior a qualquer outra da fundação. Nos anos mais recentes, criaram-se as escolas de Direito e Economia, num modelo novo, onde não há Congregação, não tem participação de aluno, de funcionário, o diretor manda. Como ficaram três escolas, não fazia sentido ter três áreas administrativas em São Paulo. Criou-se uma área de operações, alguém é escolhido e administra tudo. O custo dessa área operacional central é dividido.

Há quem diga que as duas novas escolas são deficitárias.

Eu não estou a par de detalhes financeiros, mas imagino que estejam deficitárias porque nem têm alunos para preencher todas as classes. Só têm o primeiro e o segundo ano. Mas fizeram programas para os quatro anos, contrataram professores, produziram material didático. O Rio tomou a decisão de investir em várias escolas ao mesmo tempo e isso pesou para os cofres da fundação. Agora fica querendo apertar os parafusos atrás de resultados financeiros. Tínhamos na Eaesp um órgão que prestava serviço de consultoria, chamava-se GV Consult, e a receita era da escola. O Rio alegou problemas com um contrato e aí ele saiu da Eaesp e passou a reportar à FGV. Junto foi a nossa receita. O passo seguinte será tirar da escola todo o programa de educação continuada, que, imagino, renda cerca de R$ 20 milhões por ano. São mais de 80 cursos, mais os in company. Aí vamos ficar de joelhos. Teremos que pedir dinheiro para a fundação.

Os demitidos reclamam que a Congregação não foi consultada sobre as dispensas. O que isso influencia na qualidade do ensino?

A escola sempre cultivou o contraditório. Os professores não são obrigados a ter a mesma opinião e os alunos ficam expostos a essa divergência. E a gente sempre se orgulhou de formar generalistas, pessoas que serão cidadãos, que refletem sobre a realidade brasileira. Pra você ter uma idéia da diversidade, no departamento de economia nós tínhamos desde o professor Marcos Cintra até Eduardo Suplicy. Além do Yoshiaki Nakano e do Bresser (Luiz Carlos Bresser-Pereira). Essa diversidade que é a riqueza. Quando você manda embora pessoas porque elas têm opiniões diferentes de quem está mandando no momento, empobrece a escola. As pessoas aprendem rápido e serão todas obedientes, falando a mesma coisa.

Como isso começou a mudar?

Na Eaesp, os dirigentes são eleitos pela congregação, os chefes de departamento, pelos professores, o poder está disseminado na comunidade, todo mundo participa do processo de escolha. A FGV, de uns tempos pra cá, começou com uma filosofia de que aquilo é uma empresa, chefe é chefe, a gente manda e os outros obedecem. Nós sempre tivemos uma independência maior porque estamos a 400 quilômetros do Rio. Mas, com esse choque de culturas, era inevitável haver um conflito.

Esse choque prejudica a qualidade da escola?

O Rio há anos começou um sistema que eu chamo de franquias. Há uma série de instituições pelo Brasil que você telefona e eles atendem como Fundação Getulio Vargas mas não é FGV. Somos contrários a esse tipo de programa. A motivação é financeira. Já que eles queriam ganhar dinheiro com isso, deveriam ter criado uma marca diferente da GV. Seria a marca dos franqueados.

A qualidade desses cursos não é mesma?

Não. Essas instituições não têm professores que entraram por concurso, com doutorado, que estudaram fora. A maioria dessas escolas paga por aula dada. E paga menos do que a FGV. Uma escola boa se faz com bons alunos e o que atrai bons alunos são bons professores. A Eaesp foi uma inovação no País, ela não tem cátedra e sim uma carreira de professor. Temos um sistema em que se relata o que se fez no semestre: três cursos ganham tantos pontos, artigo para jornal, outros pontos, artigo no exterior, outros. E é isso que pesa nas promoções .