Título: Calçadista desafia o câmbio na Alemanha
Autor: Fernando Scheller
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2006, Economia & Negócios, p. B5

A descontração do desfile de sapatos promovido ontem pelas empresas nacionais presentes na GDS, a maior feira de calçados na Alemanha, serviu de contraste para o atual humor dos empresários do setor no Brasil. Com vendas e margens de lucro ameaçadas pelo dólar em queda livre, as indústrias de calçados demitiram 25 mil funcionários no último ano e arcaram com um prejuízo estimado de US$ 500 milhões, além de terem comprado uma briga pública com o governo federal.

Para manter a posição no mercado externo e não serem engolidas pela concorrência com a China, empresas foram à Alemanha dispostas a conquistar novos clientes externos, ainda que a estratégia possa representar prejuízo no curto prazo. "Não podemos deixar de mostrar os nossos produtos, apesar da crise", explica Maurício Avila, gerente de vendas internacionais da Samello, empresa com sede em Franca, no interior de São Paulo.

A fábrica já demitiu funcionários e viu a quantidade de pares de sapatos exportados cair 25% por conta do repasse da valorização do real aos preços. "É uma situação realmente difícil, pois 60% das nossas vendas têm mercados internacionais como destino."

Empresas como a Samello e a Sapato Terapia, também de Franca, apostam no mercado de alto valor agregado e fogem da comparação com produtos chineses. "Buscamos novas formas de vender no exterior, fazendo contatos com lojistas em vez procurar distribuidores. Mas o cliente estrangeiro não consegue entender um aumento de US$ 5 no valor de um calçado por causa da variação cambial. Está mais difícil vender, mas nós não podemos ter prejuízo", diz Ricardo Tonon, diretor da Sapato Terapia, que exporta cerca de 40% da produção.

Entretanto, há empresas ganhando espaço no mercado internacional com a absorção do prejuízo criado pelo real valorizado. A Bical, fabricante de sapatos infantis de Birigüi, em São Paulo, vai manter a estratégia de segurar os preços nos mesmo níveis do ano passado, quando o dólar estava acima de R$ 2,50.

Porém, de acordo com Marcelo Machado, do setor de exportações da empresa, a capacidade de segurar o prejuízo para ganhar mercado no exterior é limitada.

Caso o dólar não reverta a atual tendência de queda, o trabalho de promoção da marca será interrompido, apesar dos bons resultados. "Exportamos 35% de nossa produção. Há quarto anos, vendíamos para cinco países. Hoje, atendemos 70 mercados", comemora.

O diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, afirma que o governo federal não escutou os apelos do segmento que tenta sensibilizar o Palácio do Planalto há quase um ano. "Tivemos duas reuniões oficiais com ministros, uma delas com a presença do presidente Lula. Mas, até agora, não recebemos nenhum sinal de controle do câmbio, dos juros ou dos impostos."

Segundo Klein, a estratégia do governo de manter o superávit da balança comercial com exportação de matérias-primas não é viável a longo prazo, pois prejudica a geração de empregos. "As empresas de calçados podem até se adaptar, vendendo um menor número de pares por um valor unitário maior. Mas isso vai com certeza gerar corte de postos de trabalho", alerta.