Título: Vai faltar petróleo
Autor: Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

O mundo tremeu na sexta-feira. Foi quando correram notícias sobre uma explosão numa importante refinaria da Arábia Saudita, país que detém as maiores reservas de petróleo, é o maior produtor e o maior exportador mundial. Parecia ser "o" atentado que tanto se teme. O preço do óleo começou a subir nos mercados internacionais.

Explica-se: produção e consumo de petróleo, no mundo, estão equilibrados em torno dos 85 milhões de barris por dia. Não falta óleo, mas a equação está justinha, e os países produtores estão trabalhando com o máximo de sua capacidade. Só a Arábia Saudita tem condições imediatas de aumentar sua produção, hoje em torno dos 10 milhões de barris/dia. Condições e disposição política de fazer isso, dada sua relação quase amistosa com o Ocidente. Mas é justamente essa relação que provoca a oposição dos grupos radicais islâmicos, que sonham sabotar a produção saudita e derrubar o governo local.

Na sexta-feira foi quase. Terroristas pilotando dois carros-bomba tentaram invadir a refinaria de Baqiq, num dos maiores complexos petrolíferos da Arábia Saudita. Foram interceptados pela segurança, houve troca de tiros, os carros explodiram. Quando surgiram as primeiras notícias, falava-se em danos à refinaria.

Depois o governo saudita garantiu que a refinaria estava intacta e produzindo. Ficou valendo essa versão. A Arábia Saudita é uma ditadura, com imprensa controlada. Só tem a palavra do governo. Mas, nestes tempos de celular e internet, logo se saberá toda a história.

De todo modo, o mundo passou muito perto de uma das grandes ameaças do momento ao crescimento econômico, vigoroso há quatro anos: o colapso da produção saudita. Não haverá como substituí-la. E o atentado de sexta mostra que os terroristas estão, sim, dentro da Arábia Saudita. Sabe-se que a polícia e o exército locais são bem equipados, treinados e, digamos assim, duros com os adversários. Mas os carros-bomba chegaram na porta da refinaria.

Há problemas políticos, atuais ou potenciais, em vários dos países donos das maiores reservas - Irã, Iraque e Nigéria, por exemplo.

Além disso, o que é mais importante, a base do negócio, sem terrorismo, já está complicada. Hoje, para cada barril de petróleo descoberto, o mundo consome dois. Nos últimos 20 anos tem sido assim: consome-se mais óleo do que se descobre. Tem mais: os novos campos encontram-se em local de difícil e cara exploração. Há graves problemas ambientais. O petróleo recém-encontrado, como o brasileiro, é, na maior parte, de um tipo pesado, que exige mais investimentos em refino.

A economia mundial continua queimando. Na China ainda falta incorporar mais de metade da população - algo como 800 milhões de habitantes - ao ritmo alucinante de crescimento.

Resumo da ópera: se não faltar energia, vai ficar cara para sempre.

Portanto é preciso, de um lado, atuar na ponta de consumo. É possível. Hoje o mundo sabe tirar muito mais energia de um litro de óleo do que nos anos 70, quando da primeira crise. (Aliás, que tempos, hein! O barril custava US$ 3.)

Mas é preciso racionalizar ainda mais, inclusive com as demais fontes. Na ponta da produção, trata-se de investir em todas as outras possibilidades de gerar energia. E pensar nisso tudo a partir deste ponto: energia é cara e escassa.

O Brasil está melhor na foto que muitos outros países. Encaminha-se para a auto-suficiência em petróleo, é extremamente competitivo no álcool e tem reservas de gás, sem contar as possibilidades hidrelétricas. Mas não pode bobear. Precisa investir em todas as áreas - e a verdade é que só a Petrobrás está investindo. Faz tempo, por exemplo, que não se investe para valer em geração hidrelétrica.

O governo Lula vai fazer o maior alarde com a auto-suficiência no petróleo, mas está perdendo o tempo na hidrelétrica e em outros setores. Também está atrasado ou inativo nos programas de racionalização do uso de combustíveis.

O que o País menos precisa é ficar brigando com usineiro e dono de posto de gasolina.

A dívida externa, quem diria, acabou no Brasil

Pode-se marcar a data: a dívida externa brasileira morreu na quinta-feira, 23, quando o governo anunciou que vai recomprar e tirar do mercado todos os títulos "bradies". Os bradies são papéis emitidos em 1994, quando Pedro Malan e André Lara Resende concluíram a renegociação da dívida externa que resultara dos calotes dos anos 80 - o de 1982, do último governo militar, o de João Figueiredo, e o de 1987, do primeiro civil, de José Sarney, com a chamada "moratória soberana".

(Cuidado, portanto. Democracia não é garantia de boa gestão econômica. Nem ditaduras.)

O então secretário do Tesouro dos EUA, Nicholas Brady, pilotou essa ampla renegociação que envolveu, além do Brasil, diversos outros países emergentes. E deu nome aos papéis que substituíram a dívida inadimplente.

De lá para cá, cada país tocou sua vida e muitos, como o México, por exemplo, já haviam liquidado seus "bradies".

Formalmente, são títulos iguais aos outros emitidos posteriormente. Mas trazem o pecado original, são filhos do calote. Melhor mesmo eliminá-los do cenário.

Como o governo brasileiro já havia liquidado a dívida com o FMI - outro símbolo dos tempos de crise nas contas externas - e está recomprando outros papéis de curto prazo, além de adquirir dólares para montar reservas abundantes, a conclusão é inequívoca: a vulnerabilidade externa acabou.

Isso quer dizer o seguinte: se houver uma crise financeira internacional, com escassez de dólares e altas taxas de juros, sabe o que acontece com o Brasil? Nada. O governo tem reservas suficientes para cumprir todos os compromissos externos pelos próximos três anos, sem tomar um centavo emprestado. A dívida externa pública líquida deve ser hoje em torno de US$ 25 bilhões, a perder de vista, com juros cada vez mais baixos. Ou seja, um não-problema, dado, por exemplo, o tamanho das exportações, acima dos US$ 120 bilhões por ano.

Mas o Brasil cresceu pífios 2,3% no ano passado, mais ou menos a metade da média mundial. Muito atrasado. É que, resolvido o lado externo, restam a dívida interna e um setor público que gasta demais e gasta mal: muito em custeio e sobretudo na Previdência, e quase nada em investimentos. Isso com um sistema regulatório que não está estimulando o investimento privado.

Vida dura. Rema, rema e ainda não chegou.