Título: PPP sem regras de contabilidade
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

No final de março, o governo de São Paulo receberá as propostas de parceria para a construção, operação e manutenção da linha 4 do metrô da capital paulista. Este será o primeiro contrato de Parceria Público-Privada (PPP) a ser assinado no Brasil. O governo paulista ficará encarregado das obras de engenharia, que envolvem a abertura de 12 quilômetros de túneis, e a construção das carcaças das estações do metrô. Caberá ao parceiro privado o acabamento das estações, a sinalização, o material rodante, a operação e a manutenção do serviço.

O governo paulista espera investir nas obras do metrô cerca de R$ 2,2 bilhões até 2010. O parceiro privado entrará com R$ 816 milhões. A expectativa do secretário de Economia e Planejamento de São Paulo, Martus Tavares, é de que a tarifa de R$ 2,10 do metrô remunere o parceiro privado. Se isso não ocorrer, o governo estadual complementará a tarifa para garantir a remuneração do parceiro. Em conversa com este colunista, Martus informou que outros seis projetos de PPP já estão sendo estudados. O próximo contrato será para a ampliação da estação de tratamento de água de Taiaçupeba.

O governo de Minas Gerais está para publicar um edital de PPP para recuperar, ampliar e manter a rodovia MG-050 durante os próximos 25 anos. Os investimentos previstos nesse projeto são da ordem de R$ 650 milhões, sendo R$ 320 milhões nos primeiros 5 anos. O governo da Bahia anunciou que pretende assinar um contrato de PPP para a construção, operação e manutenção de um emissário submarino, que vai reorganizar a coleta de esgotos de Salvador e do município de Lauro de Freitas. Outros Estados também anunciaram a intenção de fazer parcerias e deverão, este ano, formalizar os seus projetos.

O governo federal quer assinar, ainda em 2006, duas parcerias: uma para a duplicação e manutenção da BR 116, no trecho que vai da divisa de Minas Gerais até Feira de Santana, e da BR 324, que vai de Feira a Salvador; a outra é para concluir e administrar o projeto de irrigação do Pontal, em Pernambuco.

Os primeiros projetos de PPP estão em andamento, mas a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ainda não editou as normas gerais relativas à consolidação das contas públicas aplicáveis a esses contratos. Essas normas estão previstas no artigo 25 da lei 11.079, que criou a PPP. A questão não é meramente formal, pois os contratos de PPP poderão ter sérias repercussões nas finanças estaduais e municipais. Com esses contratos, as administrações assumirão compromissos financeiros por longo tempo, alguns poderão chegar a 35 anos. A primeira questão é saber se esses compromissos futuros devem ser contabilizados como dívidas.

A lei que criou a PPP estabelece que, quando for o caso, a contratação de parceria estará condicionada, conforme as normas editadas pela STN, à observância dos limites de endividamento previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma leitura deste dispositivo pode levar à conclusão de que os contratos de PPP não poderão ser assinados antes da edição dessas normas.

O coordenador da Unidade de Parceria Público-Privada do Ministério do Planejamento, Maurício Portugal, garantiu que a falta dessas normas não é impedimento para a realização de PPP. Segundo ele, os Estados podem fechar os seus contratos de parceria e, posteriormente, enquadrarem-se nas normas de contabilidade, quando elas foram editadas pela STN.

A lei 11.079 estabelece também que as despesas criadas ou aumentadas pelas PPPs não podem afetar as metas dos resultados fiscais. A discussão na área técnica é como contabilizar os investimentos realizados por meio de PPP para efeito de apuração do superávit primário. Os investimentos são despesas primárias e, por definição, aumentam o déficit.

Ocorre que os projetos de PPP são de longo prazo e possuem uma particularidade: os investimentos são feitos nos primeiros anos, mas a remuneração só começa a partir da disponibilização do serviço. O secretário Martus Tavares, por exemplo, defende a tese de que, para efeito de cálculo do déficit, os investimentos devem ser diluídos ao longo do período do contrato.

Martus acha que essa metodologia será útil para os projetos de PPP da União na área ferroviária, que envolverão pesados investimentos. Para o secretário, que foi ministro do Planejamento no governo FHC, a contabilidade dos gastos com as parcerias deveria ser semelhante à adotada para o Projeto Piloto de Investimento (PPI). Os gastos do PPI são descontados do superávit primário que o Tesouro é obrigado a fazer.

O argumento do governo para excluir os gastos do PPI do cálculo do superávit primário é que esses investimentos trarão retorno aos cofres públicos. Essa é a mesma argumentação utilizada por Martus para defender que os investimentos feitos por meio de PPP sejam apropriados durante todo o contrato. "Esses projetos tem retorno econômico garantido", observou. "Essa metodologia abrirá espaço para mais projetos de PPP, o que vai melhorar a infra-estrutura do País", disse. É preciso saber, no entanto, o que a STN acha dessa proposta.

AINDA O FUNDEB

Na semana passada, este colunista recebeu numerosos e-mails de leitores com comentários a respeito do que foi escrito aqui sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Por questão de espaço, apenas dois serão registrados. O economista Amir Khair observou que o complemento da União ao Fundeb não permitirá que todos os Estados gastem o mesmo por aluno. A complementação é para que cada Estado gaste um mínimo por aluno. Esse mínimo será definido em lei.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que, por mais obsessão que ele tenha pela educação, acha uma temeridade que o aumento de recursos para este setor possa ser feito sem responsabilidade fiscal. "Se a inflação volta, ninguém fala mais em educação", afirmou. "Há recursos suficientes, se quisermos, para gastar todo este valor previsto (na emenda do Fundeb) e ainda mais, retirando de outros gastos, sem ferir a responsabilidade fiscal." Cristovam, que foi ministro da Educação no governo Lula, acha que o Brasil se viciou em comemorar mais gastos e não mais feitos. Ele acaba de apresentar ao Senado um "projeto de lei de responsabilidade educacional", nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelo projeto, todo prefeito terá de cumprir metas na área de educação e não apenas gastar mais. O projeto torna preciso o que se deve entender como "oferta irregular da educação".email