Título: O nó do INSS
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Um dos maiores especialistas em Previdência Social, o ex-ministro Reinhold Stephanes, estimou em 1998 que o déficit do INSS chegaria, em 2020, a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Pois já em 2005 o desequilíbrio ficou em 1,94% do PIB e, em janeiro deste ano, atingiu 2,91% do PIB mensal, o que corresponde a antecipar em mais de uma década as projeções feitas há sete anos.

Não faltam, é claro, justificativas para a explosão do déficit do INSS em janeiro, que atingiu R$ 4,84 bilhões e quase dobrou em relação ao de janeiro de 2005 (R$ 2,45 bilhões). Em 2005, as transferências de recursos de terceiros relacionadas às contribuições sobre o 13º salário foram realizadas em fevereiro e, neste ano, em janeiro, com acréscimo extraordinário de R$ 781,8 milhões; e o pagamento de precatórios consumiu R$ 1,5 bilhão, em janeiro de 2006, uma despesa que, em 2005, foi concentrada em fevereiro. É evidente, portanto, que não só os números de janeiro foram atípicos, para pior, como os de fevereiro serão atípicos, para melhor.

Mas, como admite o Tesouro Nacional, "mesmo sem a ocorrência desses fatores, as despesas da Previdência teriam crescido próximo a 12% em relação a janeiro do ano passado, ou seja, acima do crescimento nominal esperado para o PIB e mais que o dobro da inflação de 2005 medida pelo IPCA (5,69%)". O problema é de curto prazo porque a receita e a despesa do INSS apresentam comportamento altamente insatisfatório.

Entre os meses de janeiro de 2005 e de 2006 as receitas evoluíram apenas 1,9%, de R$ 8,047 bilhões para R$ 8,203 bilhões, nítido decréscimo em relação à evolução anual das receitas de 14,6% entre 2004 e 2005. O indicador de janeiro evidencia a precariedade do mercado de trabalho no final de 2005, quando houve crescimento do número de empregos formais, mas não da renda dos trabalhadores - base do recolhimento previdenciário. Num ano de desaceleração econômica, os empregos criados foram de pior qualidade.

Ao contrário, houve um aumento de 24,3% das despesas com benefícios. O Tesouro atribui metade desse aumento à atipicidade dos gastos, mas a outra metade se deve ao aumento acelerado das despesas previdenciárias. Já o INSS crê que as contas estão piorando devido, em grande parte, a fraudes nas aposentadorias, e por isso está acelerando o recadastramento dos beneficiários.

Parece certo que o déficit de janeiro não se repetirá ao longo deste ano (neste caso, atingiria a casa dos R$ 60 bilhões, muito acima da projeção de R$ 50 bilhões, que já leva em conta o salário mínimo de R$ 350,00). Ainda assim, o governo tem de acompanhar de perto a evolução mensal das contas do INSS e, ao mesmo tempo, retomar as mudanças legais que permitirão atenuar o agravamento do problema no longo prazo.

Não há, a rigor, nada a fazer para corrigir as origens do problema. Já se sabe que a construção de Brasília, louvada na minissérie da TV sobre Juscelino Kubitschek, só pôde ser feita porque havia superávit na Previdência Social. Na década de 1950, com o crescimento do mercado de trabalho, a relação entre o número de contribuintes e o número de beneficiários era de oito para um, proporção que caiu à metade (4,2 para 1) em 1970 e hoje é da ordem de 2 para 1.

Quando sobrava dinheiro na Previdência, o governo deixou de entrar com a parte dele (que deveria corresponder a um terço das receitas, cabendo o restante aos trabalhadores e às empresas) e empregou os recursos (que não eram da União) tanto na construção de Brasília como na constituição e capitalização de empresas estatais, manutenção de depósitos em bancos como forma de retribuição à prestação de serviços previdenciários e no financiamento de serviços públicos de saúde.

Torna-se premente, portanto, a reabertura de um tema politicamente indesejável em ano eleitoral: o de uma nova reforma previdenciária, que tarda, mas deveria figurar entre os projetos prioritários de candidatos à Presidência comprometidos com o equilíbrio das contas públicas.

Um terço do déficit nominal do setor público, em janeiro, se deveu ao INSS. No ano passado, o desequilíbrio do INSS representou 60% do déficit nominal. São porcentuais altíssimos, que serão mortais, se não forem reduzidos.