Título: Universidades atraem doações em troca de propaganda
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2006, Vida&, p. A10

Empresários injetam recursos e recebem homenagens ou espaço para marketing institucional

As salas de aula do novo campus do Ibmec São Paulo, inaugurado há menos de um mês na Vila Olímpia, se chamam Walter Moreira Salles, Roberto Simonsen, Olavo Setúbal, José Ermírio de Moraes. Os nomes lembram as empresas cujas doações serviram para construir cada uma delas. É a tática que mais tem funcionado entre instituições de ensino superior que querem sensibilizar doadores: oferecer destino certo e preestabelecido para as gordas quantias - com direito a homenagens nominais ou mesmo propaganda dos benfeitores.

Dos R$ 15 milhões investidos pelo Ibmec na construção da moderna unidade de 10 mil metros quadrados, R$ 10 milhões foram angariados com empresas. Para o fundo de bolsas de estudo da instituição a quantia arrecadada foi menor: R$ 2 milhões. "É preciso emocionar o doador, mostrando o impacto na sociedade que nosso projeto terá. Além disso, as pessoas gostam de ser homenageadas", diz o diretor presidente Cláudio Haddad, maior responsável por convencer 50 doadores e conseguir o invejável montante. Os R$ 12 milhões do Ibmec representam quase 70% do que o governo estadual destinou neste ano para o novo campus da Universidade de São Paulo (USP) na zona leste.

MERCHANDISING

Uma das pioneiras nesse trabalho, a Fundação Getulio Vargas (FGV) hoje tem até uma espécie de programa de milhagens para os doadores. Conforme o valor oferecido, acumulam-se pontos que valem prêmios para empresas. Entre os prêmios estão a permissão para fazer ação promocional dentro da escola ou para que seus funcionários usufruam da biblioteca da instituição. Trinta e cinco salas de aula das 58 da FGV são patrocinadas atualmente. "O dinheiro da mensalidade paga os profissionais", explica a coordenadora da Assessoria de Desenvolvimento Institucional da FGV, Zilla Bendit. O estudante paga em torno de R$ 1.700 de mensalidade à escola.

Lá, a empresa precisa bancar a manutenção das salas, além da equipá-las com cadeiras, mesas, computador e ar-condicionado.

O merchandising é liberado. Na sala da companhia aérea Gol, as cadeiras são laranja, cor símbolo da empresa. Ao lado, há a sala patrocinada pela Dow Química, decorada em vermelho. Zilla não acredita que haja conflito entre a propaganda e o ambiente acadêmico, mas já recusou uma sala de aula à Souza Cruz, fabricante de cigarros. "Cigarro é um pouco demais, mas já tivemos um espaço Bohemia (marca de cerveja), para professores", conta.

"Ligar o nome da empresa a uma instituição de referência é um grande mecanismo de marketing institucional", diz Damião Paes, assessor da presidência da Fundação Dom Cabral, especializada em formação de executivos. Para iniciar, recentemente, a construção de um prédio, a instituição vendeu 33 cotas de patrocínio a empresas, que ganharão em troca prioridade no uso do conhecimento obtido a partir das futuras pesquisas feitas na nova instalação.

APROXIMAÇÃO

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC), Abílio Baeta Neves, não vê problemas na ligação das empresas com instituições de ensino superior. "Nos Estados Unidos isso é muito comum. É preciso desenvolver essa cultura aqui. Muitas vezes o orçamento da instituição não é suficiente para manter uma boa estrutura", diz. Neste mês, a Universidade de Harvard anunciou ter arrecadado US$ 600 milhões numa campanha de capitalização. O dinheiro será usado em assistência a estudantes e estrutura dos centros de pesquisa.

A parceria com empresas em universidades públicas algumas vezes ocorre por meio de fundações montadas pelos professores para fugir da burocracia estatal. Na USP, a oferta de serviços - como cursos de MBA, pagos, para empresas ou consultorias - alimenta um acirrado debate há anos. De um lado estão os que acreditam que a iniciativa descaracteriza a instituição pública e de outro, os que dizem que o dinheiro privado é essencial para a sua manutenção.

A universidade também tem exemplos de investimento particular na sua estrutura. A Escola Politécnica inaugurou em 2005 duas modernas salas de aula para os alunos do primeiro ano, com a ajuda de empresas de ar-condicionado, construção civil e automação. A tecnologia de última geração instalada na sala, com isolamento acústico, conforto térmico e portas automáticas, será usada também para pesquisas de pós-graduação da Poli. "É importante aproximar dessa maneira a academia do setor produtivo", diz a coordenadora do projeto de instalação das novas salas, Brenda Coelho Leite.