Título: No Amazonas, nepotismo cruzado entra em campo
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2006, Nacional, p. A10

Sai Fabíola, entra Érica - a substituição marca o primeiro caso de nepotismo cruzado nos tribunais desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)decretou o fim da era dos apadrinhados da toga. Elas são assessoras, trocaram de endereço, uma foi para o Tribunal de Justiça do Amazonas, a outra para o Tribunal de Contas do Estado.

Fabíola Xavier Desterro e Silva, que trabalhava no gabinete do conselheiro e vice-presidente do TCE Aluizio Humberto Aires da Cruz, pediu exoneração e abriu vaga para Érica da Silva Pinheiro, que deixou o gabinete do tio, o desembargador Manuel Neuzimar Pinheiro, do Tribunal de Justiça amazonense. Cruz e Neuzimar são amigos. "Não vejo nisso nenhuma ilegalidade, muito menos imoralidade", reagiu o conselheiro.

O transnepotismo, denunciado ontem pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não exigiu grandes esforços e demandas das duas cortes, apenas dois atos de exoneração acompanhados de outros dois de nomeação produzidos pelo TJ e pelo TCE. Tudo simples porque os cargos de Fabíola e Érica são comissionados, ou de confiança. Podem ser preenchidos sem concurso e de acordo com os critérios de quem as acolheu.

A permuta conferiu o devido aspecto formal e legal à operação de salvamento do emprego de Érica, a sobrinha do magistrado. Ela seria enquadrada pela resolução 7 do CNJ, que proíbe a contratação de parentes de juízes até o terceiro grau.

A solução para o caso Érica veio pelas mãos do vice do TCE. Homem de bom relacionamento, como se declara, ele também é amigo do procurador-geral do TCE, Érico Xavier Desterro e Silva, irmão de Fabíola.

Antes do encerramento do prazo - 14 de fevereiro - que o CNJ deu para que os apadrinhados fossem exonerados, o troca-troca em Manaus estava consolidado. "Eu tenho um cargo no meu gabinete, dele posso dispor e indicar livremente a pessoa que vai ocupá-lo", disse Cruz. "Fabíola pediu exoneração e nomeei Érica."

O conselheiro, que foi procurador de contas, afirmou que "não tem conhecimento" de que sua ex-assessora assumiu a vaga de Érica no TJ. "Preenchi o cargo da maneira mais correta e normal possível. Não houve tentativa de burlar a lei. Não tenho laço de parentesco com elas e não tenho parente no TJ."

Segundo ele, Fabíola "não alegou nada" quando pediu exoneração. "É coisa de caráter particular, de conveniência da pessoa. Eu não sabia que Érica era do gabinete do Neuzimar, não sabia dessa particularidade. Sei que ela é parente do Neuzimar, mas não sabia que trabalhava com ele. Ele a indicou, Neuzimar é meu amigo."

O conselheiro não vê motivos para desfazer a contratação. "Ela é capacitada. Não fui perquiri-la se ocupava cargo aqui ou acolá." Os vencimentos de Érica não chegam a R$ 3 mil, afirma Cruz. "Não temos altos salários no nosso tribunal."