Título: Hamas revoga poderes de Abbas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2006, Internacional, p. A11

A decisão do Movimento Resistência Islâmica, Hamas, de revogar todas as decisões da última sessão da legislatura anterior ampliou ontem o confronto entre os grupos palestinos e tornou mais remota a possibilidade de se formar um governo de união. O Hamas surpreendeu a todos ao ganhar a maior parte das cadeiras nas eleições legislativas do dia 25 de janeiro. Sabendo que seus dias como os todo-poderosos do Parlamento estavam contados, os representantes da Fatah aprovaram medidas no apagar das luzes.

O objetivo era aumentar o poder de Mahmud Abbas, do movimento Fatah, que permaneceria como presidente da Autoridade Palestina (AP), entidade responsável pela administração dos territórios autônomos. Na última sessão parlamentar dominada pela Fatah, em fevereiro, os deputados conferiram a Abbas a atribuição de nomear funcionários administrativos de alto escalão e juízes - que seriam encarregados de formar a Corte Constitucional palestina - sem a necessidade de que esses nomes fossem ratificados pelo Parlamento. Foram essas decisões destinadas a limitar os poderes do novo Parlamento dominado pelo Hamas que os deputados barraram ontem.

A revogação dessas medidas foi aprovada por 64 votos a favor, nenhum contra e 6 abstenções. Se, por um lado, a votação mostra o poder do Hamas no Legislativo, por outro, dificulta a formação de um governo de união. Os principais líderes da Fatah no parlamento, como Nabil Shaat, Mohamed Dahlan e Saeb Erekat, tentaram em vão retirar o tema da ordem do dia. Mas, revoltados com o rolo compressor do Hamas, os parlamentares da Fatah se retiraram.

Num comunicado, o movimento qualificou de "golpe" a ação do Hamas que retira poderes do presidente da AP. "A maneira como a sessão (de ontem) foi dirigida viola a lei e rompe as bases para um diálogo e uma aliança", diz a nota da Fatah, referindo-se à atuação do presidente do Parlamento, o dirigente do Hamas Aziz Doweik, que ignorou os pedidos para alterar a agenda. Como vencedor das eleições parlamentares, o Hamas indicou um de seus principais dirigentes, Ismail Hanyie, para o cargo de primeiro-ministro, mas ainda espera a sua confirmação.

Se for empossado, ficará com a incumbência de cuidar dos assuntos internos dos territórios, como segurança e saúde, enquanto Abbas, o presidente da AP e da Fatah, continuará responsável pelas relações externas, principalmente as com Israel.

Durante uma visita a Ottawa, capital canadense, o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, disse ontem que o Hamas "não excluiu a possibilidade de retomar as negociações de paz com Israel com base no plano mapa da estrada". Lavrov recebeu dirigentes do Hamas em Moscou na semana passada, em encontros que romperam o isolamento internacional que os EUA e Israel pretendiam impor ao grupo palestino. Para americanos e israelenses, o Hamas é uma organização terrorista que só pode ser reconhecida internacionalmente depois de renunciar à violência e aceitar a direito de existência de Israel.

"O mais importante é que o Hamas não descartou a possibilidade de retomar o processo de negociações ", declarou Lavrov ao lado de seu colega canadense, Peter MacKay. O plano mapa da estrada é promovido conjuntamente por EUA, Rússia, ONU e União Européia - o grupo conhecido como "o quarteto".