Título: Zona cinzenta
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2006, Nacional, p. A6

Ambigüidade sobre a lista de Furnas deixa todos sob suspeita, inclusive a Polícia Federal

Faz mais de uma semana que veio a público a lista com o nome de 156 deputados beneficiados por dinheiro para abastecer seus caixas paralelos de campanha por intermédio de um ex-diretor de Furnas e até agora a Polícia Federal não foi capaz de dizer se ela é falsa ou verdadeira.

No lugar de lançar luz sobre o episódio, como seria de seu dever, as autoridades responsáveis criam mais sombras com declarações dúbias. A conseqüência imediata é a disseminação da suspeita sobre tudo e sobre todos.

A ambigüidade rende malefícios óbvios aos integrantes da relação, deixando-os no limbo. Mas também produz efeitos negativos para a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e o governo em geral.

Na melhor das hipóteses, ressalta a incompetência da polícia para atestar a autenticidade de cinco folhas fotocopiadas que há meses estão em seu poder.

Na pior, autoriza a desconfiança de que a PF se presta a um jogo político-eleitoral.

A favor do governo se estiver escondendo uma fraude, ou atendendo aos propósitos da oposição (sabe-se lá, José Dirceu não disse que a Polícia Federal é "meio tucana"?) se a falta de empenho tiver o intuito de evitar a confirmação de acusações graves.

O superintendente da PF, delegado Paulo Lacerda, diz que é "possível" dirimir a dúvida pelo exame da cópia, sem os originais, e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, limita-se a manifestar sua expectativa de que o documento não seja verdadeiro.

E por aí ficam, espichando desnecessariamente um episódio que, lá na frente, em plena campanha, mesmo sem comprovação, pode ser retomado com ares de verdade.

Na ausência de esclarecimento, prevalece o embaçamento, a leve impressão, esta zona cinzenta cujo lusco-fusco torna todos os gatos igualmente pardos.

O ministro da Justiça argumenta que a PF está "investigando republicanamente" a lista.

Não obstante a carência de significado preciso da expressão, bastaria que a polícia tratasse do assunto objetivamente: dando conta do andamento das investigações, ou resolvendo de uma vez a questão para encerrar o caso, seja para arquivar suspeitas, seja para permitir ao PT tomar a iniciativa de pedir a abertura de uma nova CPI.

Afinal, a denúncia, se verdadeira, aponta para corrupção, desvio de dinheiro de uma estatal e não diz respeito apenas à prática do caixa 2 promovida à categoria dos pecados veniais.

Já que entre os 156 deputados não há um só petista - a despeito de o PT ter protagonizado o escândalo do "mensalão" -, o partido ficaria a cavaleiro para liderar as investigações no terreno parlamentar.

Seria uma oportunidade de revide e um oxigênio eleitoral nada desprezíveis, se a idéia for esclarecer e não se valer da desconfiança difusa para confundir o eleitor.