Título: Exploração das florestas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Não fossem as dúvidas quanto à capacidade, demonstrada pelo poder público, de fiscalizar a exploração comercial das florestas nativas, dentro da perspectiva de um desenvolvimento sustentável - que trouxesse benefícios socioeconômicos para o País, sem comprometer o inestimável patrimônio ambiental das atuais e futuras gerações -, restrição alguma haveria de se fazer ao projeto (PL 4776/2005), aprovado nesta quarta-feira pela Câmara dos Deputados, permitindo a exploração econômica de áreas de florestas nativas, por meio de concessão pública. Afinal de contas, têm sentido as palavras do líder do PSDB Arthur Virgilio (AM), assim justificando seu apoio à iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA): "Prefiro a organização da pressão sobre a floresta à presença desorganizada. Quero acreditar que o projeto investe contra a grilagem." Ótimo seria se não houvesse base para o pessimismo do senador Pedro Simon (PMDB-RS) quando afirma que "será difícil fiscalizar a execução dos projetos".

Mas é preciso uma certa dose de otimismo para acreditar que seja possível fiscalizar com eficiência a exploração de 13 milhões de hectares - que correspondem a 3% da Amazônia - se, atualmente, a devastação descomunal da maior e mais importante floresta nativa do mundo se deve, essencialmente, a um sistema falido de cobrança e fiscalização pública, que tem assegurado aos infratores ambientais a mais tranqüila impunidade. E aqui já comentamos dados de estarrecer, no tocante à negligência das autoridades públicas e aos imensos entraves burocráticos, relativamente ao cumprimento das exigências das leis ambientais e da punição dos faltosos. Bastaria lembrar que, na análise de 55 processos por infrações ambientais, envolvendo desmatamento e comércio ilegal de madeiras, iniciados no Pará entre 1999 e 2003, de um total de quase R$ 1,5 milhão de multas, apenas R$ 45 mil - ou seja, 3% - haviam sido arrecadados até 2004. E, em toda a Amazônia, a média de arrecadação de multas entre 2001 e 2004 não ultrapassou o porcentual ínfimo de 2,1%!

Bem é de ver que a questão da exploração sustentável e do manejo de florestas nativas é problemática não apenas no Brasil. O biólogo e diretor da Escola de Meio Ambiente da Universidade de Duke, dr. John Terborgh, já alertou para o risco de destruição irremediável das florestas tropicais do planeta, que se tornou irreversível pelas tentativas de "manejo" e "exploração controlada" - a exemplo do que ocorreu na Austrália. Na negociação entre oposição e governo o relator do projeto, senador José Agripino, conseguiu aprovar três emendas de sua autoria. A primeira estabelece que o Senado decidirá sobre os pedidos de concessão de áreas com mais de 2.500 hectares; a segunda determina que os diretores do Serviço Florestal Brasileiro, que vai gerir as concessões públicas, serão sabatinados pelo Senado; e a terceira obriga a que o comitê gestor, constituído no projeto original apenas por técnicos do MMA, contenha também os representantes de mais seis pastas ministeriais, entre as quais a de Ciência e Tecnologia. Mas a liderança do governo já informou que o presidente Lula deve vetar a primeira emenda, que inviabilizaria o projeto porque "um quintal da Amazônia tem 2.500 hectares".

Há que se encontrar, de qualquer forma, mecanismos de aperfeiçoamento da ação fiscalizadora do Estado, pois tratando-se de questão que envolve grandes interesses e a própria segurança nacional, o poder público deve demonstrar capacidade de controle nessa área, antes de outorgar a terceiros o direito de exploração econômica de nossas florestas. Segundo o diretor do Programa Nacional de Florestas no MMA, Tasso Rezende de Azevedo, o governo pretende abrir o processo licitatório para que as florestas já possam ser exploradas nos moldes da lei a partir do próximo ano. Só esperamos que não se repita - ou generalize - predação semelhante à do Parque Nacional da Serra da Bocaina (segundo notícia publicada na mesma página deste jornal que informou a aprovação da Lei de Exploração das Florestas), área de preservação permanente, criada em 1971, com 106 mil hectares de mata atlântica, que virou sinônimo de crimes ambientais, com a ação de posseiros que destroem a floresta para fazer pastos para gado.