Título: França e Brasil têm proposta conjunta contra a miséria
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2006, Economia & Negócios, p. B4

Os dois países passarão a cobrar taxa nas passagens aéreas a partir de 1.º de julho

O objetivo da comunidade internacional de reduzir pela metade a miséria no mundo até 2015 será testado a partir de hoje, em Paris, durante a conferência sobre financiamentos inovadores do desenvolvimento. França e Brasil devem apresentar proposta comum contra a miséria no mundo no encontro que será aberto pelo presidente Jacques Chirac e contará com a presença do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e de representantes de outros 95 países e 40 organizações internacionais. A criação de um grupo de reflexão sobre a Facilidade Internacional de Compra de Medicamentos (Fiam) será uma das idéias fortes da proposta franco-brasileira nesse encontro de Paris.

Ontem, no Quai D'Orsay, o ministro do Exterior, Celso Amorim, reuniu-se com o colega francês, Phillippe Douste Blazy, para discutir a idéia básica do encontro - a criação de uma taxa sobre as tarifas aéreas. A reunião serviu ainda para esboçar o programa da visita de Chirac ao Brasil, prevista para o fim do mês de maio. Um dos pontos é a viabilização da construção da ponte binacional do Oiapoque, entre o Brasil e o departamento francês da Guiana.

No encontro mundial, no Centro de Conferências de Paris, um dos itens em discussão é o programa de Chirac que pretende recolher fundos para combate mais eficaz de doenças nos países mais pobres através de uma taxa sobre as passagens aéreas. A taxa entrará em vigor na França em 1º de julho, mas encontra resistência por parte das empresas aéreas e dos países que aceitaram participar do programa, mas querem adotar um calendário preciso. A direção da Air France já protestou publicamente contra o pagamento da taxa suplementar.

TRATAMENTOS

Outro item da pauta é a criação de facilidades internacionais para a compra de medicamentos, a Fiam, que busca fontes de financiamento destinados aos países mais necessitados.

Três milhões de pessoas morrem anualmente de aids; outros três milhões de malária e tuberculose. Em alguns países africanos a expectativa de vida diminuiu 15 anos. Só um sexto dos aidéticos tem direito a tratamento antiviral, apesar de o preço dos medicamentos ter caído de US$ 10 mil por pessoa e por ano para apenas algumas centenas de dólares. O preço diminuiu, mas as populações africanas mais pobres continuam não tendo como pagar. A França estima que a cobrança da taxa corresponderia a 200 milhões, muito pouco diante da necessidade mundial. Mas Chirac lembra que esta seria apenas uma fonte de arrecadação.

A conferência que começa hoje vai permitir a criação de um grupo piloto de países. Neles, as companhias aéreas deverão coletar 1 por bilhete nos vôos internos e entre 10 e 40 nos vôos internacionais, dependendo da classe utilizada pelo passageiro. Alemanha, Índia, Tailândia, Madagáscar poderão seguir rapidamente o exemplo da França e do Brasil, mas Estados Unidos e Canadá são hostis à idéia e nem participam da Conferência de Paris.

Lula lançou idéia do fundo em Davos, em 2003

A criação de um fundo mundial de combate à fome foi a grande bandeira levantada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas inúmeras viagens que fez ao exterior em seu primeiro ano de governo. Recém eleito, em janeiro de 2003 Lula apresentou a proposta no Fórum Econômico de Davos, Suíça, poucos dias depois de anunciar, no Fórum Social em Porto Alegre, que prentendia fazer a proposta ao "clube dos ricos". O fundo contra a fome entrou na pauta dos encontros de Lula na Assembléia Geral da ONU, em setembro de 2003, e também na reunião do G8 em Evian, na França, em junho do mesmo ano. Foi no encontro de Evian, do qual participou como convidado do presidente francês, Jacques Chirac, que Lula apresentou detalhes de sua proposta. A idéia inicial era de compor o fundo com 50% dos recursos provenientes do pagamento de juros da dívida externa pelos países mais pobres e com 1% dos gastos com armamentos das nações mais ricas. As duas sugestões de financiamento de Lula foram rejeitadas. Prevaleceu a idéia de Chirac, de taxar as viagens internacionais. Pelos cálculos mais otimistas, contando com a adesão de pelo menos 30 países, a proposta de Chirac tem potencial de arrecadar US$ 5 bilhões. A Grã-Bretanha também tem uma proposta - de lançar títulos públicos de países ricos e canalizar recursos para programas de desenvolvimento -, que será discutida hoje em Paris.