Título: Política agrícola e o futuro
Autor: Antônio Márcio Buainain
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

Formuladores e gestores da maioria das políticas públicas no Brasil estão, em geral, presos a uma armadilha de curto prazo caracterizada por um ambiente institucional que nenhum cardiologista aprovaria para seus pacientes. Neste contexto, as decisões e ações são guiadas pelas múltiplas emergências, em muitos casos inevitáveis; pelas pressões legítimas ou não de grupos de interesse e por horizontes temporais determinados por prazos políticos, em geral mais curtos do que os exigidos pelos instrumentos de política pública. Trata-se de um círculo vicioso, já que em grande medida as armadilhas de hoje resultam das omissões, decisões e ações determinadas pelas armadilhas de ontem. Agora mesmo o Ministério da Agricultura está às voltas com inúmeros problemas - da aftosa à inadimplência, dos preços altos do álcool aos preços deprimidos de alguns produtos importantes - cuja dimensão e extensão seriam diversas se - sempre o maldito "se" da história - os governos já houvessem incorporado preocupações de longo prazo em suas decisões políticas e de políticas públicas.

Não falta consciência desta limitação. É comum ouvir de técnicos a reclamação de que vivem tão dominados pela operação cotidiana da máquina que nem sequer têm tempo para refletir sobre novos conceitos e abordagens, sobre os resultados das políticas que implementam e, menos ainda, sobre o futuro. Para romper com essa inércia, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) organizou o Encontro Técnico para Subsidiar Propostas de Política Agrícola para os Próximos 5 Anos. O intercâmbio entre o corpo técnico da Conab, reconhecidamente bem qualificado, e especialistas de várias áreas não poderia deixar de ser rico. Mais que novidades, os debates revelaram amadurecimento e clareza quanto aos temas relevantes que precisam ser incorporados à agenda de debates sobre a política agrícola brasileira. Pontuo algumas das questões levantadas.

O cenário futuro e o marco institucional para a formulação das políticas são hoje radicalmente diferentes dos prevalecentes no passado recente. De um lado, as negociações e acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) são relevantes, mas a maioria dos participantes não parece acreditar que resultem, nos próximos cinco anos, em mudanças favoráveis significativas para o Brasil. Ainda assim, o mercado mundial do agronegócio continuará crescendo e o Brasil poderá obter ganhos na medida em que é um dos poucos países com potencial para atender, de imediato, à expansão da demanda em vários setores, de grãos a carnes.

De outro lado, chamou-se a atenção para mudanças estruturais nos mercados, hoje dominados pelo comportamento de um consumidor mais exigente e consciente de seus direitos e de seu poder. Os mercados do agronegócio se caracterizam por um nível crescente de requisitos, e até mesmo as commodities mais tradicionais já são, e serão ainda mais no futuro, sujeitas a normas técnicas rigorosas, padrões de qualidade rígidos, identificação de origem, atestados de sanidade e inocuidade. Neste contexto, a preocupação com a segurança dos alimentos adquire uma dimensão central na dinâmica dos mercados, que precisará ser traduzida, com urgência, em medidas de política agrícola. Poder-se-ia até eleger o binômio segurança alimentar - que incorpora a dimensão social - e segurança dos alimentos - que incorpora as exigências dos mercados em geral - como vetores para a formulação da política agrícola do futuro.

Outra tendência é a crescente segmentação do mercado em razão de exigências específicas de países e grupos de consumidores em relação à própria especificação dos produtos (cor, tamanho, método de produção, condições de embalagem, etc.). Abrem-se, sem dúvida, boas oportunidades, que só poderão ser aproveitadas com a reforma das políticas agrícolas e com um reforço considerável na capacidade de executá-las. Nada trivial para um país que continua preso à armadilha do curto prazo, que ainda não conseguiu controlar a febre aftosa e não dispõe de uma institucionalidade apropriada para arbitrar divergências no interior do setor público e muito menos filtrar as inevitáveis pressões sociais. O problema é que as soluções de curto prazo não são necessariamente consistentes com um longo prazo de desenvolvimento sustentável.